Barbas de molho: na era Moro, PF vai mirar políticos corruptos
Sob o comando do futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, a nova direção da Polícia Federal pretende reestruturar e reforçar o grupo responsável por investigar perante o STF (Supremo Tribunal Federal) crimes cometidos por ministros e políticos em exercício do mandato. O setor é tido como essencial para o combate à corrupção, bandeira que Moro, indicado para o cargo pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, definiu como prioridade. As informações são de Camila Mattoso e Reynaldo Turollo Jr. na Folha de S. Paulo.
A decisão da equipe de Moro é uma reação à crise a que passa o grupo, conhecido pela sigla SINQ (Serviços de Inquéritos Especiais) desde a gestão do delegado Fernando Segovia. Antes com 13 equipes montadas para as investigações, cada uma com um delegado, escrivães e agentes, esse time hoje conta com apenas cinco equipes fixas. Escolhido como novo diretor-geral da PF, o delegado Maurício Valeixo tem conhecimento dos problemas e avisou que vai privilegiar o assunto assim que tomar posse.
Na origem da crise do SINQ, núcleo responsável por investigar autoridades com prerrogativa de foro, está a passagem de Segovia pela direção-geral do órgão, entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018.
Um dos eixos de tensão se deu em torno do inquérito sobre Michel Temer no suposto esquema no porto de Santos. A investigação causou a principal polêmica da gestão Segovia, resultando em sua queda. Em entrevista, o então diretor afirmou que não havia indícios contra o emedebista. Em reação, o grupo enviou um memorando repudiando interferências nas investigações - delegados desfrutam de independência funcional. O coordenador do time era Josélio Azevedo, que estava no posto desde o início da Lava Jato.
Apesar de dizer enxergar erros na gestão anterior, a equipe do delegado Rogério Galloro, que sucedeu Segovia, chamou de "rebelião" o movimento do SINQ e enxergou no episódio uma traição hierárquica. A avaliação era de que os delegados dos inquéritos especiais passaram achar que eram mais importantes do que a própria PF.
Sob Galloro, que se mantém no cargo, procedimentos foram adotados para controlar o que se entendeu como "desvios" dos integrantes do grupo de inquéritos especiais. A primeira medida foi tirar de Josélio a coordenação, o que não foi bem aceito pelos demais membros da equipe. A desarticulação do grupo foi acentuada com a saída de seu coordenador. Alguns delegados deixaram a equipe, sob justificativa de licença capacitação.
Durante o inquérito dos portos, os conflitos foram frequentes. A conclusão da investigação foi prorrogada diversas vezes, algumas delas com a justificativa de que não havia mão de obra suficiente para a análise de material apreendido. Em um desses momentos, Galloro e o ministro do STF Luis Roberto Barroso, relator do inquérito dos portos, se falaram por telefone. O chefe da PF garantiu ao ministro que haveria reforço. O episódio pegou mal na direção. A visão era de que Cleyber Malta, responsável pela investigação, havia se apegado ao caso e que fazia parceria com outro Poder, o Judiciário, para conseguir seus objetivos.
Em outro capítulo, servidores do grupo foram colocados compulsoriamente em sessões de terapia, diante da análise de que estavam sob efeito de muito estresse. A decisão foi tomada pela diretoria e foi interpretada como falta de respeito.
Com o argumento de organizar e profissionalizar o setor, o delegado Élzio Vicente da Silva, que é diretor de Combate ao Crime Organizado (Dicor), a quem o SINQ está vinculado, passou a cobrar projetos de investigação para fornecer instrumentos necessários. A iniciativa também foi mal vista. Parte dos integrantes entendeu como tentativa de controle de informações.
Élzio é tido como um dos principais quadros da polícia. A avaliação, no entanto, é que não deu certo com a atual equipe e que não teve habilidade para administrar a crise que se criou com o que ficou conhecido como "trauma Segovia". Recentemente, foi aberto um recrutamento para mais seis equipes, mas não houve interessados suficientes.
O grupo de inquéritos especiais foi criado no início da década após conversas entre a polícia e o STF para agilizar investigações sobre crimes cometidos por políticos com foro. Até a saída de Segovia, existiam 283 procedimentos registrados de forma especial na PF, incluindo inquéritos abertos e ações cautelares. Atualmente, são 153.
A redução do número se deu basicamente por dois motivos: alguns casos foram concluídos e outros desceram para a primeira instância, após decisão do Supremo de restringir o foro especial. Desde maio, a corte passou a só julgar episódios em que os crimes tenham sido cometidos durante o mandato. (Foto: Arquivo)