A periferia agradece, Doutor Banqueiro!
Alceu A. Sperança
O que podem ter em comum os altos executivos de um distante banco suíço e os humildes moradores do Interlagos, que não sabem a diferença entre C-Bond e James Bond? A julgar pela manifestação do Banco Sarasin, um dos principais administradores de fortunas da Suíça e pela facilidade com que a gente da periferia adoece, os dois grupos se preocupam fortemente com a exclusão social.
Nossos pobres, porque precisam melhorar de vida. Os banqueiros suíços, porque decidiram incluir o critério social em sua política de orientação aos investimentos. Para eles, país que enfrenta a degradação urbana e melhora a qualidade de vida de seus pobres merece receber investimentos. País que destrói a natureza e abandona seus pobres é carta fora do baralho.
Quem diria: capitalistas radicais coincidindo em pensamento com radicais partidários do repartir o pão! No entanto, a posição do banco suíço de não recomendar o Brasil a seus investidores é desinformada. Ela não compreende que o país está mudando rapidamente, a começar pela reação popular à corrupção, à ação para a defesa da biodiversidade e à energia com que a Polícia Federal está agindo contra aqueles que lesam a nação, pertençam ao mais rancoroso partido da oposição ou ao mais "mensalizado" defensor do PT.
O Sarasin, reconheça-se, tem um parti pris correto: fixa entendimento no sentido de que os países que enfrentam as questões ambientais e sociais melhoram as perspectivas do Estado. De fato: um povo mais assistido é um povo menos ameaçador aos interesses financeiros alienígenas em jogo.
Não haverá maluquinho dando golpe de Estado, não se transformará uma passeata em caso de segurança nacional, não haverá cassetete descendo no lombo de estudantes e operários. A democracia é sempre melhor: a sujeira não fica escondida abaixo de repressão e censura ? ela aparece.
E daí que o banco suíço não percebeu que o país está mudando? Nossos pobres ainda não sentiram nem cócegas dessas mudanças: não embolsaram "nenhum" do superávit comercial, dos ganhos da estabilidade, da respeitabilidade do país no exterior. Assim, há que exigir para os quesitos ambiental e social o que também exigimos no quesito corrupção.
Há, também, que se incluir a criminalidade no subquesito, digamos, social. E, nesse caso, há que se entender o crime em duas facetas: uma é o crime imperdoável, cometido pelas máfias, quadrilhas, empresas, instituições financeiras (e também partidos, viu, PT? viu, PSDB? viu, PMDB, PP, Dem etc?). Outra é o crime que pode ser prevenido/revertido, os cometidos pela arraia-miúda, muitas vezes motivados por uma cobrança doida e doída da dívida social.
Uma boa ação de combate ao crime do segundo tipo, mil vezes melhor que qualquer Guarda Municipal, é o projeto Segundo Tempo, do governo federal, que desestimula o individualismo e privilegia a socialização via esporte. O Segundo Tempo, no entanto, teve a cara do governo Lula: tímido, uma tímida tentativa de nacionalizar o projeto de Educação em Tempo Integral. Por isso, um apelo ao governo: vá radicalmente além do Segundo Tempo. Esporte é pouco. Há gente que não o pratica por motivos físicos ou deficiências mentais.
Poderia ir direto a um programa federal de Educação em Tempo Integral, aplicando nela o que deixaremos de gastar com corrupção, embora o economizado cm corrupção tenha a tendência de ir para pagar a dívida pública - por sua vez inflada pelos corruptos... Educação, saúde e esporte embutidos, é a prioridade absoluta. Com isso, um dia nossa gente da periferia será rica, ainda que nem tanto quanto os banqueiros suíços.
(Do livro A Maldição Brasileira, Projeto Livrai-Nos! Ilustração: Pelicano)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br