O custo de cada voto
Editorial Estadão
A primeira grande eleição nacional sem financiamento de empresas, proibido desde 2015 por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), mostrou que é possível atrair muitos votos sem precisar gastar muito dinheiro. Ao contrário: um levantamento do Estadomostrou que alguns dos candidatos que menos gastaram estão entre os mais votados. Sem entrar no mérito dos discursos políticos mais bem-sucedidos na campanha, esse quadro serve para mostrar que não é o tamanho do financiamento da campanha que determina a vitória deste ou daquele candidato, e sim a mensagem apresentada ao eleitor.
Os 30 candidatos mais bem votados para a Câmara dos Deputados neste ano gastaram entre R$ 0,09 e R$ 0,97 por voto. Na média nacional, o custo da disputa foi de R$ 10,21 por voto, contra cerca de R$ 20 por voto, em valores atualizados, nas eleições de 2014. Ou seja, quando havia dinheiro sobrando nas campanhas, fruto principalmente do farto financiamento empresarial - raramente desinteressado -, o custo de cada voto era muito mais alto.
Para ter uma ideia do abismo financeiro entre uma eleição e outra, um cálculo feito pelo Estado em 2014, com base no resultado da eleição daquele ano, mostra que um candidato que quisesse reduzir o risco de derrota para menos de 10% teria de gastar entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões. Dos candidatos que arrecadaram abaixo de R$ 500 mil, menos de 3% foram bem-sucedidos. Já na eleição deste ano, alguns dos campeões de voto para a Câmara declararam gastos inferiores a R$ 300 mil.
Na disputa pelo Senado, alguns dos vitoriosos foram ainda mais austeros. O piso de gastos por voto entre eleitos foi de espantoso R$ 0,03.
O padrão se repetiu na campanha presidencial. No primeiro turno, o candidato vencedor, Jair Bolsonaro (PSL), gastou R$ 0,02 por voto. O segundo colocado, Fernando Haddad (PT), gastou quase 20 vezes mais, R$ 0,38. Apesar disso, o valor despendido pelo petista, quando medido em proporção à quantidade de votos obtida, foi bem inferior ao dos demais candidatos competitivos - Ciro Gomes (PDT), por exemplo, gastou R$ 0,63 por voto, enquanto Geraldo Alckmin desembolsou R$ 10,67 por voto.
No segundo turno, a diferença de custo entre as campanhas de Bolsonaro e Haddad, quando se considera o resultado da eleição, mostra desempenho semelhante ao do primeiro. Bolsonaro venceu gastando R$ 0,04 por voto, enquanto Haddad precisou de R$ 0,70 por voto, cerca de 17 vezes mais que o adversário. Quando se comparam esses números com os das eleições de 2014, época em que os candidatos ainda podiam obter financiamento das empresas, a diferença fica gritante.
Para vencer no primeiro turno e obter quase 58 milhões de votos no segundo, Bolsonaro declarou ter gasto R$ 2,4 milhões no total. Já a petista Dilma Rousseff, quando se reelegeu para a Presidência, em 2014, declarou que suas despesas naquela campanha atingiram, ao todo, R$ 406 milhões, em valores atualizados - o maior montante gasto numa eleição desde a redemocratização do País. O custo por voto de Dilma foi de R$ 7,45.
Os principais doadores para a campanha de Dilma foram empresas como a JBS, que contribuiu, em valores atualizados, com quase R$ 90 milhões, e empreiteiras como a Andrade Gutierrez (R$ 26 milhões) e OAS (R$ 25 milhões). Como hoje se sabe, eram pouco republicanos os objetivos que pautavam essa relação - tanto que o STF decidiu, no ano seguinte, finalmente acabar com a farra do financiamento empresarial de campanhas eleitorais.
Na época em que essa decisão foi tomada, muitos chegaram a dizer que a própria democracia estaria inviabilizada, pois, segundo se dizia, candidatos precisam de muito dinheiro para espalhar sua mensagem e conquistar votos. A eleição de outubro passado mostrou que, antes de dinheiro, os candidatos que quiserem votos precisam ter o que dizer ao eleitor, de preferência expondo-se nas ruas e, agora, nas redes sociais. Sem o dispendioso marketing eleitoral, vence quem tem maior capacidade de convencimento - essência da política.