Bombas contra desempregados
Editorial Estadão
Cerca de 12 milhões de brasileiros passarão um fim de ano apertado, mal conseguindo pagar as despesas mais simples, e muitos ainda estarão em sérias dificuldades no fim de 2019, se a irresponsabilidade política ainda travar a criação de empregos. Nesse caso, o estrondo de pautas-bomba - projetos com aumentos de custos para o governo - ainda será mais forte que o dos foguetes e rojões típicos das festas. Sem dinheiro para festejar, esses desempregados ainda pagarão impostos sobre seus gastos, mínimos e indispensáveis, e assim financiarão os benefícios concedidos a pessoas e a setores empresariais imensamente mais aquinhoados. Quase metade dos trabalhadores em busca de uma vaga está desocupada há mais de um ano. Mais de um quarto, há mais de dois, segundo os últimos números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua. O levantamento é realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os cidadãos à procura de trabalho há mais de um ano eram 5,05 milhões no terceiro trimestre, de acordo com a Pnad. Eram cerca de 40% dos 12,5 milhões de desocupados. O grupo há mais tempo desempregado - sem ocupação há dois anos ou mais - correspondia a 3,2 milhões de pessoas, 25% do total de desocupados.
Esse contingente é quase tão numeroso quanto a população do Uruguai (3,46 milhões de habitantes em 2017), incluídos bebês, crianças da escola básica e velhinhos há muito aposentados, e corresponde a 17,18% da população chilena.
Quando se pensa em tanta gente fora das folhas de pagamento há tanto tempo, fica difícil levar a sério o argumento invocado a favor do reajuste de salários para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Incluído o enorme efeito cascata, esse reajuste deve impor ao setor público uma despesa adicional estimada em R$ 6 bilhões por ano. O mesmo tipo de comparação serve para avaliar qualquer outro mimo fiscal ou financeiro concedido a indivíduos e a empresas. Pouco ou nenhum avanço em termos de inovação, crescimento econômico e criação de empregos decorreu da maior parte dos incentivos custeados pelo contribuinte nos últimos dez anos.
Exemplos de enorme desperdício custeado pelos contribuintes - empregados e desempregados - são o Programa de Sustentação do Investimento (instituído em 2009) e a desoneração da folha de pagamento de dezenas de setores, como foi claramente mostrado em recente análise produzida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo mostrou, entre outros fatos escandalosos, o aumento de demissões, a redução de admissões e o medíocre desempenho produtivo de várias das indústrias mais beneficiadas pela desoneração da folha. Apesar da evidente distribuição de benefícios sem a mínima cobrança de contrapartida, congressistas evitaram cortar as desonerações. Quando, finalmente, o fizeram, numa negociação com o Executivo, ainda mantiveram a vantagem para vários setores.
O mesmo desinteresse em relação a custos e benefícios vinculados ao uso de recursos públicos foi exibido, há pouco tempo, na aprovação de um novo programa de incentivos fiscais ao setor automobilístico. Neste caso, a iniciativa foi do Executivo, contra a orientação do Ministério da Fazenda. No Congresso, as vantagens fiscais propostas pelo governo ainda foram ampliadas.
Cada real adicionado aos custos do governo tornará mais difícil e mais demorada a solução da crise das contas públicas, exceto se a despesa - ou facilidade fiscal - produzir efeitos de curtíssimo prazo em termos de crescimento econômico e de criação de empregos. Não é o caso da série recente de mimos aprovados no Congresso. Muito mais provável é o surgimento de novas pautas-bomba. O presidente eleito e sua equipe têm razões para tentar, neste fim de ano, evitar o aumento de encargos para o governo. Muitos congressistas falharam na tentativa de reeleição e isso poderá dificultar negociações. Mas o esforço é necessário, especialmente porque, explícita ou implicitamente, será feito em nome de uns 12 milhões de desempregados.