Brasil vai quebrar se não cortar privilégios e ajustar Previdência
De tanto que se fala de Previdência, em função dos muitos interesses que gera, é difícil saber o que há de verdade e de mito em torno dela. Para esclarecer pontos nevrálgicos de um tema fundamental ao futuro social e econômico do País, a Acic trouxe a Cascavel um dos maiores especialistas no assunto na atualidade, o consultor e professor Paulo Tafner. Para uma plateia integrada por empresários, formadores de opinião e acadêmicos, no auditório da Reitoria da FAG, Tafner afirmou com todas as letras: "Ou o Brasil faz a reforma e ataca os privilégios ou vai quebrar de forma definitiva".
Doutor em Ciência Política e autor de estudos sobre Previdência, Paulo Tafner apresentou números estarrecedores da transferência de renda que pobres principalmente fazem aos mais ricos a partir do modelo previdenciário em uso no País. "Esse é um dilema que o Brasil se recusa a enfrentar. As regras vigentes foram boas para a década de 1950, mas são inadmissíveis para os dias de hoje e muito menos para o futuro que se avizinha". A população, que era rural, virou urbana e um dos países mais jovens do mundo faz em tempo recorde a sua transição para um dos mais envelhecidos.
O País demorou demais para mexer em pontos vitais da Previdência e só há uma alternativa: "Ou fazemos as mudanças necessárias ou o País terá menos empresas, menos empregos, menos oportunidades, salários mais baixos e carga tributária ascendente". A Previdência exige 14% do PIB nacional, mais do que ocorre na Alemanha, que é um país de pessoas muito mais velhas. Apenas no âmbito da União, o aumento nas despesas é de R$ 50 bilhões por ano. Mais da metade dos gastos do governo federal são com Previdência e em poucos anos esse percentual vai saltar para 80%. "Se eu fosse empresário, ficaria preocupado, porque sem a reforma os governos terão dificuldades em honrar compromissos, como já ocorre", disse o professor.
R$ 350 BILHÕES
O déficit consolidado da Previdência é de 5% do PIB (R$ 350 bilhões), ou 15 vezes mais que todo o gasto anual feito com o Bolsa Família. "O sistema é injusto e a despesa está focalizada nos mais ricos". A idade média de aposentadoria no Brasil, pelo regime de tempo de contribuição, é de 54 anos. Mais de 60% dos aposentados por idade é quem menos usufruem do modelo. O benefício pago aos servidores públicos é sete vezes maior que o recebido pelo trabalhador da iniciativa privada. E há casos nos quais a diferença, em favor do servidor público, chega a ser 20 vezes superior.
No Brasil, onde a renda é mais alta aposenta-se mais cedo, disse Tafner, para citar: no Sul, as pessoas se aposentam seis anos antes que no Norte e no Sudeste dois anos mais cedo que os moradores do Nordeste. Somente outros 12 países contam com regime de aposentadoria por tempo de contribuição e todos eles têm economia modesta e estão bem distante do topo do ranking dos desenvolvidos. Aqui, o gasto anual da União com benefícios previdenciários é de R$ 73 bilhões, nos estados é de R$ 157 bilhões e do INSS é de 507 bilhões.
Do dinheiro necessário para pagar servidores aposentados, R$ 12 bilhões vêm de contribuição dos próprios funcionários, R$ 18 bilhões é a parte patronal e o restante, que é déficit, é bancado pela população em geral. Atualmente, o País tem 681 mil funcionários públicos aposentados ou pensionistas, os estados dois milhões e o INSS 32 milhões. O benefício médio dos servidores federais é de R$ 7,7 mil mensais, o dos servidores estaduais é de R$ 5,8 mil e a média recebida por pessoas que vieram do setor privado é de R$ 1,3 mil.
As maiores aposentadorias estão no Judiciário, com média de R$ 27 mil, e no Legislativo, de R$ 28 mil. O déficit da União com a Previdência é de 58% e dos estados, de 57%, com transferência líquida dos mais pobres aos mais ricos. "É por isso que não há dinheiro público suficiente, mesmo com sucessivos aumentos da carga tributária, para saúde, educação, segurança e obras. Tudo vira despesa com pessoal e a situação tende a ficar muito pior", lamenta Tafner.
DEMOGRAFIA
Os números do avanço demográfico das últimas décadas ajudam a explicar o descontrole previdenciário que ocorreu no País. Em 1988, 6,5% da população brasileira tinha 60 anos ou mais e os benefícios exigiam 3,4% do PIB. "Envelhecemos rápido e em 30 anos seremos, em vez de jovem, um país de meia idade", segundo Tafner. Hoje, há 17 estados com forte risco de virar inadimplentes em função do crescimento de gastos com a Previdência. E nos municípios a tendência é a mesma, com a exceção, por enquanto, dos menores que têm seus próprios regimes previdenciários.
O déficit da União foi de R$ 83 bilhões em 2017, dos estados de R$ 112 bilhões, dos aposentados civis R$ 40 bilhões, dos militares R$ 36 bilhões e dos demais, R$ 6 bilhões. De 2015 para 2017, o déficit cresceu 23%. A demografia mostra também que as mulheres têm menos filhos hoje que no passado e um terço delas decidiu não ser mãe. Em 1980, eram 45 milhões de crianças com idades de 0 a 14 anos, 66 milhões de trabalhadores ativos e 7,2 milhões de idosos. Eram necessários 9,2 ativos para manter um inativo. Mas a situação mudou drasticamente aos longos dos anos.
Em 2020, serão 44,3 milhões de crianças, 138,5 milhões de adultos e 29,3 milhões de velhos. A proporção será de 4,7 ativos para cada inativo. A previsão para 2060 é de 28,3 milhões de crianças, 116,3 milhões de adultos e 73,6 milhões de idosos. Haverá apenas 1,6 ativo para manter um inativo, situação simplesmente impraticável, conforme Tafner. "Muitos jovens qualificados percebem essa situação de caos e trocam o Brasil por outro país onde possam ter perspectivas melhores", citou o professor. O pesquisador disse que os cem países mais populosos representam 96,7% de toda a população do mundo.
"Em 1950, éramos o 26º país mais jovem e em 2100 seremos o nono mais envelhecido. O mercado será ainda mais disputado e teremos de enfrentar países com gente muito mais jovem. Será um grande desafio", alertou o pesquisador do Ipea. O Brasil precisará de apenas 48 anos para fazer a transição de país jovem para velho. A Bélgica levará 162 anos para vencer o mesmo percurso, enquanto que a Argentina 107, o Equador 71, o Peru 68, o Chile 59 e o México 55 anos. Então o que fazer, questionou Paulo Tafner aos presentes.
PROPOSTA
A proposta de reforma que Tafner ajudou a construir e que deverá ser analisada pelo novo governo tem como suporte uma PEC e quatro leis complementares. O que se busca é não aumentar impostos para financiar a Previdência, não perder receita, não deixar ninguém de fora, desconstitucionalizar a Previdência para que as mudanças tenham mais agilidade, corrigir distorções, fazer transição curta, de no máximo 12 anos, e acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição. A sugestão é que todos se aposentem com 65 anos. A nova Previdência seria criada a partir de 2020 e em poucas décadas seria novamente viável e passaria tranquilidade aos segurados.
Um dos diferenciais dela é combinar princípio de renda mínima com as virtudes do sistema de repartição e também do sistema de capitalização. Se aprovada, ela valerá para os nascidos a partir de 1º de janeiro de 2014. Hoje, o teto para o setor privado é de R$ 5,4 mil e cairia para R$ 3,8 mil em 2040, no entanto o reforço viria de um sistema que considera os anos de contribuição e a capitalização. Haveria também nova fórmula de cálculo para estabelecer os valores dos benefícios aos servidores públicos, diferente do que ocorre hoje com aposentadoria referente ao valor do último salário recebido, o que cria benefícios excessivos e que inviabilizam o sistema. O impacto da reforma proposta é economia de R$ 1,3 trilhão, diz Tafner, justamente porque a regra de transição é rápida. (Foto: Assessoria Acic)