Todos são iguais perante a lei?
Luiz Claudio Romanelli
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na quinta-feira (3) restringir a prerrogativa de foro por função (foro privilegiado) dos 513 deputados federais e 81 senadores. Segundo a decisão, só permanecerão no STF os processos cujos crimes ocorreram durante o mandato do parlamentar e estejam ligados às funções do cargo. Inquéritos e ações penais que não se enquadrarem nessa situação serão enviados à primeira instância da Justiça Federal ou Estadual.
A decisão excluiu outras 54.400 autoridades que têm a prerrogativa de serem julgadas por tribunais, ao invés de terem seus casos analisados em primeira instância. Entre os que ainda permanecem com foro privilegiado nas esferas estadual ou federal estão presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado, juízes, membros do Ministério Público, deputados estaduais, governadores, prefeitos, comandantes das Forças Armadas, embaixadores.
À primeira vista e aos desavisados, pode parecer que o STF tomou uma decisão para acabar a impunidade. Mas, na verdade, decidiu que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros. E antes que eu tenha que desenhar para que alguns entendam, esclareço: não sou contra o fim do foro privilegiado, mas se é para acabar com a prerrogativa de função, garantida em vários artigos da Constituição Federal, que a mudança seja para todos e que seja feita através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) como deve ser e não por decisão do STF.
Aliás, em abril do ano passado, o Senado aprovou uma PEC que prevê o fim da prerrogativa de foro privilegiado para julgamento de parlamentares e membros do Executivo, excluindo os presidentes do Congresso e da República. Mas a PEC não foi analisada pelos deputados e nem será neste ano porque, com a intervenção federal do Rio de Janeiro, nenhuma alteração constitucional pode ser feita.
De todos os ministros do STF, apenas dois, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, votaram por acabar com o foro privilegiado de todos os que hoje se beneficiam dele.
Toffoli frisou que o foro por prerrogativa de função tem como objetivo evitar manipulações políticas nos julgamentos e subversão da hierarquia, para que haja imparcialidade nos julgamentos. Não se trata de privilégio, acrescentou o ministro, até porque se reduz o número de instâncias recursais, e com isso a chance de prescrição, tendo em vista a realização do julgamento, que se dá de forma mais célere, em única instância. Ele propôs que o STF fizesse uma interpretação extensiva da decisão, englobando não apenas os parlamentares federais, mas 16.559 autoridades estaduais, distritais e municipais.
Tenho sido um critico do ministro Gilmar Ferreira Mendes, mas devo admitir que ele foi preciso em seu voto, especialmente ao admitir que a alteração sobre a prerrogativa de foro e competência do Poder Legislativo.
"? Todas as instituições da República devem respeito à Constituição, mesmo a suas normas menos apreciadas. Incumbe à Corte Suprema fazer com que as decisões políticas fundamentais que regem, guardam e governam a República sejam cumpridas, ainda que lhe saibam amargas. É ao Poder Legislativo que cabe o papel de rever más escolhas do constituinte originário, reequilibrando as forças sociais? Tenho que, neste caso, o STF não está verdadeiramente interpretando a Constituição Federal, mas a reescrevendo. Para disfarçar o exercício do poder constituinte, tenta dar-lhe o verniz da interpretação jurídica das normas constitucionais.
Além do verniz de técnica jurídica, a nova interpretação vem embalada em argumentos consequencialistas. É apresentada como a solução para desafogar os tribunais, acelerar a punição de poderosos, afastar influências políticas dos processos penais. Tenho que a nova interpretação não traz a perspectiva de uma melhora no sistema judiciário em geral, ou na persecução penal em particular", afirmou.
Em seu voto, Gilmar Mendes desmontou os argumentos sobre a pretensa ineficiência do STF, faz comparativos com os juízos de primeira instância e afirma que "em grande parte, a disfuncionalidade da justiça criminal decorre de privilégios concedidos aos seus atores".
Mendes critica a Justiça e o Ministério Público e afirma que "é impossível administrar um sistema criminal em que juízes e promotores contam com 60 dias de férias ao ano, mais recesso e feriados diversos".
Ao fim, afirma que se é para acabar com o foro, o STF "deve manter a coerência e pronunciar a inconstitucionalidade de todas as prerrogativas processuais, inviolabilidades e imunidades em geral deferidas a ocupantes de cargos públicos, não oriundas diretamente da Constituição Federal".
Não há por que limitar o debate à prerrogativa de foro decorrente de cargos eletivos.
O fim do foro para senadores e deputados federais, decidido pelo STF, equivale no fim das contas ao que disse o ministro Gilmar Mendes, citando Lênio Streck, uma tosa de porco: rende muito grito e pouca lã.
Luiz Cláudio Romanelli é deputado estadual, advogado e especialista em gestão urbana