Muitos pagam, poucos ganham
Editorial Estadão
Sem dinheiro até para manter hospitais e remendar estradas, o Tesouro Nacional continua distribuindo dezenas de bilhões a empresas de todos os tamanhos, com escasso ou nenhum benefício para a atividade econômica e a geração de empregos. Renúncias fiscais bancadas pela maioria dos contribuintes custaram R$ 32,83 bilhões de janeiro a setembro. Só no mês passado a festa consumiu R$ 7,15 bilhões. A farra é oferecida a grupos e setores, alguns com empresas muito grandes, enquanto cidadãos comuns, tributados pesadamente até na compra de um pão de queijo, são privados de assistência médica por falta de recursos para serviços públicos. A arrecadação federal chegou a R$ 110,66 bilhões neste ano, em nove meses. Enquanto o governo federal se arranjava com esse dinheiro para atender todo o País, uma soma equivalente a quase 30% desse total era destinada aos presenteados com desonerações.
Mais de um quarto dos benefícios foi concedido como desoneração da folha de pagamentos. Até setembro, isso representou R$ 8,53 bilhões, 25,97% da soma de renúncias fiscais. Em agosto, o governo conseguiu do Congresso Nacional a reoneração da folha de 39 setores. Outros 17 continuarão recebendo a vantagem até 2020. O Executivo, sem sucesso, vinha tentando recompor as contribuições pagas pelas empresas de todos os setores beneficiários. Havia razões sólidas para o abandono dessa política.
A desoneração da folha de pagamentos foi um dos vários benefícios concedidos de forma imprudente - para ficar numa avaliação moderada - pela administração petista. Muitos bilhões foram perdidos pelo setor público sem benefício perceptível para a economia. Não se preservaram empregos nem se notaram ganhos de competitividade nos segmentos favorecidos. Essa desoneração, assim como outros mimos fiscais e financeiros distribuídos pelos governos do PT, foi apenas mais um favor custeado por muitos para delícia de poucos.
O Executivo só conseguiu eliminar a desoneração de 39 setores quando combinou com o Congresso a concessão de um subsídio ao diesel, num desdobramento da paralisação dos caminhoneiros, ocorrida no final de maio. A reoneração da folha daqueles setores foi negociada como compensação pelo novo subsídio.
O governo conseguiu dos congressistas, portanto, uma decisão correta em troca de um novo erro, a concessão do subsídio ao uso do diesel. Na mesma ocasião Executivo e Legislativo cometeram outro despropósito, ao criar, por meio de uma tabela de fretes, o cartel do transporte rodoviário. Foi uma forte agressão a todo o sistema produtivo. Entidades da indústria e da agropecuária contestaram no Judiciário a criação do cartel, mas até agora sem resultado.
A desoneração da folha de pagamentos de dezenas de setores é só um exemplo, embora muito expressivo, de como se desperdiçam bilhões em benefícios fiscais mal concebidos e raramente revistos. O setor automobilístico tem sido um dos mais contemplados na distribuição de favores públicos.
Fortemente protegido por barreiras comerciais, tem recebido incentivos custosos sem apresentar contrapartida convincente. Esgotado o período do Inovar Auto, o Executivo aceitou, apesar de ressalvas do Ministério da Fazenda, propor um novo programa, o Rota 2030, já submetido ao Congresso. Com todos os benefícios, a indústria automobilística dirige 70% de suas exportações para o Mercosul, dependendo principalmente do acordo automotivo com a Argentina, um pacto de mediocridade.
Incentivos fiscais são justificáveis quando produzem, na ausência de outros fatores, ganhos econômicos ou sociais claros e controlados por meio de revisões periódicas. No Brasil, a criação desses benefícios tem resultado muito mais de pressões setoriais e da ação de parlamentares-despachantes do que de um efetivo planejamento. O novo governo demonstrará seriedade - e prudência em relação às finanças públicas - se desde logo se dispuser a rever os incentivos, incluídos os novos favores. Será um passo para tornar mais produtivo cada real arrecadado.