Histeria conservadora
Eliane Cantanhêde
Além dos militares, há um outro setor da vida nacional esfuziante e em alta nas eleições de 2018: os evangélicos das diferentes designações, que apoiam maciçamente Jair Bolsonaro, agora a um passo de assumir a Presidência da República.
Militares e evangélicos, aliás, andam muito juntos: "quase 100% dos evangélicos apoiaram a ditadura militar", segundo o pastor e ministro Ronaldo Fonseca, secretário-geral da Presidência de Temer. No primeiro turno, Fonseca diz que votou em Henrique Meirelles, do MDB. No segundo, vai de Bolsonaro.
Os principais líderes da Assembleia de Deus, da qual o ministro Fonseca é pastor, eram generais, coronéis, tenentes, desde os anos 1960, as igrejas evangélicas têm uma hierarquia que praticamente copia a militar e ambos, militares e evangélicos, têm posições muito próximas em questões de comportamento, no apoio a Israel e, em geral, no horror à esquerda. Neste momento, muito particularmente ao PT.
Como contraponto: o ex-presidente Lula fez até reunião entre países árabes e do Mercosul no Itamaraty, em Brasília, e foi mais de uma vez à região, mas só fez uma visita oficial a Israel no seu último ano de governo. E Dilma Rousseff foi mais longe, ao rejeitar um embaixador indicado por Israel.
Apesar de considerado evangélico desde criancinha, o capitão Bolsonaro é um convertido recente e só foi batizado em 2016. Frise-se: no Rio Jordão, em Israel, e pelo Pastor Everaldo, do PSC. Depois, rompeu e foi para o PSL, mas manteve o batismo e a religião.
Assim, ampliou seu apoio entre os evangélicos no segundo turno com a adesão pública de Edir Macedo, da Universal do Reino de Deus, e do Pastor José Wellington e do bispo Manoel Ferreira, da Assembleia de Deus. Imaginem o volume de votos! E a influência no futuro governo... Se o Executivo e o Legislativo do provável governo Bolsonaro terão forte presença de militares de altas patentes, a bancada evangélica será uma força auxiliar de grande importância no Congresso. A atual Frente Evangélica já é forte e se aproximou de Bolsonaro desde o primeiro turno, mas ela vem ainda mais poderosa em 2019.
Pelos cálculos do pastor e ministro Fonseca, que vê "uma histeria do voto conservador", serão 180 parlamentares federais evangélicos, oito dos 81 senadores (10%) e o restante na Câmara dos Deputados. Serão uma mão na roda para a aprovação de projetos de interesse do Planalto na economia, mas farão ainda mais a diferença na área de costumes. Lembram do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), famoso por ser antigays? Pois é. O Congresso terá muitos Marcos Felicianos, agora com o apoio direto do Planalto.
Além da política de ocupação do Congresso, os evangélicos também têm sido decisivos no avanço de candidatos desconhecidos, ou "novos", nos governos estaduais. Principais exemplos: juiz Witzel, no Rio, Ibaneis, no DF, Romeu Zema, em Minas. Ou seja, em unidades cruciais da federação. O peculiar Witzel, por exemplo, tem 65% dos votos evangélicos no Rio. Artistas? Que artistas? Os grandes eleitores no Rio são os pastores.
Há, portanto, uma onda Bolsonaro, uma onda militar e uma onda evangélica chegando ao principal país da América do Sul, o maior, mais rico e mais populoso. E pelo voto, o que confirma que, se o Brasil é historicamente um país de centro na política, é bastante conservador e à direita nos costumes.
O que isso projeta para o futuro? Se Bolsonaro for um sucesso, pode criar uma espécie de dinastia, passando o poder de pai para filhos, no plural. E, depois de Collor, FHC, Lula-Dilma e Bolsonaro, não é absurda a ascensão das igrejas evangélicas ao poder político. Sempre pelo voto e em nome do combate à corrupção e da defesa do "diferente" e do "novo".
Eliane Castanhêde é jornalista