Paranaense era braço direito de Temer para corrupção, afirma PF
Assim que deixar o governo, daqui a dois meses e meio, o presidente Michel Temer vai precisar se dedicar muito, e também levar muita sorte, para não ter o mesmo destino do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a prisão.
Em suas mais de 800 páginas, o Inquérito dos Portos concluído pela Polícia Federal e entregue ontem ao STF (Supremo Tribunal Federal) contém uma vasta gama de detalhes que, segundo a própria PF, apontam para um esquema de corrupção no Porto de Santos que seria liderado por ele há duas décadas, desde quando era deputado federal por São Paulo.
Além de Temer, a PF indiciou outras dez pessoas, entre as quais o ex-deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures, Maristela Temer (filha do presidente), e o coronel João Baptista Lima Filho.
No relatório final, o delegado Cleyber Malta Lopes afirma que "é possível concluir que há elementos concretos e relevantes no sentido que a edição do decreto buscou atender interesses de empresas portuárias ligadas aos agentes políticos Michel Temer e Rodrigo Rocha Loures". E ainda que "o decreto {9048/2017} questionado poderia permitir um novo período de influência no setor portuário pelo investigado Michel Temer e seus aliados políticos".
A PF também concluiu que há "robustez de elementos" para confirmar que o coronel João Baptista Lima Filho faz parte de uma "estrutura de captação de recursos financeiros ligada ao senhor MICHEL TEMER". O caso foi encaminhado pelo ministro Luís Roberto Barroso à PGR (Procuradoria Geral da República), que tem até 15 dias para se pronunciar por meio de parecer e decidir se apresenta ou não denúncia à Justiça. Se a PGR denunciar Temer ao STF, a Câmara dos Deputados terá de autorizar o prosseguimento do processo.
Segundo a conclusão da PF, Loures articulou com empresas do setor portuário a edição do decreto 9048/2017, com autorização e conhecimento do presidente Michel Temer, em troca de propina e influência política.
Em maio de 2017, Temer ampliou os contratos de concessões de empresas portuárias de 25 para 35 anos, e abriu a possibilidade de novas prorrogações que podem chegar a 70 anos.
O relatório apontou que empresários do setor portuário procuraram Temer, quando ele ainda era vice-presidente, em 2013. Naquela época, a então presidente Dilma Rousseff aprovou uma mudança na Lei dos Portos, de 1993. No entanto, Dilma vetou 13 itens da medida provisória proposta por Câmara e Senado.
O relatório concluiu também que "há indícios que o presidente participe deste grupo criminoso, desde a sua criação quando indicou na década de noventa, Marcelo Azeredo para presidente da Codesp", que administra o Porto de Santos. A PF diz que foi nesta época que surgiram os "primeiros pagamentos de propinas".
A PF identificou conversas entre executivos da empresa Rodrimar e Rocha Loures, desde 2013 até 2017, quando o decreto foi editado. Segundo a investigação, todas as conversas tiveram "anuência de Michel Temer".
A PF indiciou o sócio da Rodrimar, Antonio Celso Grecco pelos crimes de organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O diretor do grupo, Ricardo Mesquita, foi indiciado por corrupção ativa.
O sócio do Grupo Libra, outra empresa que também atua no Porto de Santos, Gonçalo Borges Torrealba, foi indiciado por organização criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Os três foram apontados no relatório como parte do núcleo empresarial do grupo criminoso.
Segundo a investigação concluiu, mais de 100 empresas portuárias se beneficiaram com a edição do decreto.
ARGEPLAN
A PF também descobriu o caminho do dinheiro do grupo. Segundo ela, para poder receber a propina Michel Temer usou a empresa de arquitetura Argeplan, que fica na zona Oeste de São Paulo, e tem como sócio o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente há mais de 30 anos.
A PF destaca que a aproximação entre Lima e Temer se deu entre 1982 e 1984, quando Temer assumiu a Secretaria de Segurança Pública De São Paulo, tendo como assessor Militar, o Coronel Lima. E que a partir de 1983, "o número de contratos da Argeplan com A Polícia Militar cresceu mais de 100%".
Além da empresa Argeplan, a investigação descobriu que o grupo financeiro usava inúmeras empresas "de fachada" para receber propina ao longo dos anos e simulava prestações de serviços apenas para receber dinheiro ilícito, sem nenhuma prestação real de contratos.
O relatório diz que "LIMA e COSTA agem em conjunto, encarregados de buscar soluções para dar aparência de regularidade em tais transações, como a simulação de prestações de serviços em contratos, confecção de recibos com falsidade ideológica, entre outros atos. Havendo robustez de elementos que permitem afirmar que, JOÃO BAPTISTA LIMA FILHO, sua empresa ARGEPLAN, suas outras empresas e seus sócios compõem importante estrutura de capitação de recursos financeiros ligada ao senhor MICHEL TEMER".
Oficialmente o Coronel Lima entrou na empresa de arquitetura em 2011, mas a PF aponta que ele atuava na Argeplan muito antes disso: "Já em relação ao CORONEL LIMA, há farta documentação juntada nos autos que indicam sua gestão na ARGEPLAN muito antes do ingresso oficial, inclusive contrato de gaveta sobre compra de contas da empresa datado de 1995".
O delegado destaca também "a falta de pudor em tratar de assuntos ilícitos", e cita como exemplo uma reunião de 1998, quando foi criada, pelo grupo financeiro, a empresa Eliland do Brasil - usada como fachada da Argeplan para arrecadar propina do Porto de Santos.
Numa ata de reunião, apreendida pela PF, há a seguinte anotação: "O grupo só não poderá ir para a cadeia no lugar do preposto, mas paga o advogado". O preposto foi identificado pela PF como o contador Almir Ferreira Martins.
R$ 5,9 MILHÕES
O relatório também identificou os valores de propina repassados a Temer ao longo dos anos. Entre 2000 e 2014 o delegado diz que "há indícios robustos de que o presidente recebido diretamente os seguintes valores, relacionados ao setor portuário, em cerca de R$ 5,9 milhões".
"E também, outros valores que beneficiaram diretamente agentes políticos do MDB, em acertos diretos ou com anuência do PRESIDENTE MICHEL TEMER, como líder político de seu partido, originados do setor portuário ou de empresa com interesses defendidos no setor, em totais aproximados de R$ 17 milhões, pagos via doação oficial ou 'caixa 2', aponta o relatório final". O relatório concluiu que, entre 2006 e 2016, o setor portuário doou R$ 115 milhões para o MDB, partido de Temer. (Foto: Arquivo)