Lei Seca molha mais
Alceu A. Sperança
Não há dúvida sobre que o crack e o álcool são as piores drogas existentes, não apenas no sentido de destruírem o vigor físico e mental como também por sua larga disseminação na sociedade: ambos custam pouco e são, digamos, as drogas mais "democráticas" disponíveis. Essa vasta disseminação na sociedade faz dos dois os grandes responsáveis por acidentes de trânsito, homicídios, traumas familiares, roubos e assaltos, além de predispor o organismo a quase todas as doenças que hoje atravancam os postos de saúde - inclusive as doenças de crianças de pais bebuns ou desbundados.
No entanto, de que serve incluir o crack no rol das drogas ilícitas se os pobres coitados dependentes químicos são discriminados, hostilizados e abandonados, no máximo recebendo a atenção de algumas rezas, notoriamente insuficientes quando se trata desse tipo de dependência? Da mesma forma, a Lei Seca proposta nas câmaras municipais é bem-intencionada mas não vai resolver nada se a intenção é exercer um combate realmente sério ao alcoolismo.
Duas pequeníssimas histórias ilustram o equívoco de proibir sem tratar a causa. Uma: na Bulgária, em plena vigência do estalinismo, o Partido Comunista percebeu que o trabalho não rendia quase nada na segunda-feira, pois os camaradas enchiam o caco no fim de semana e estavam podres na segunda, como, aliás, ocorre muito por aqui.
Foi proibido o consumo de álcool no fim de semana (a vodca deles é fenomenal!), mas as faltas no trabalho na segunda-feira até aumentaram. Ao mesmo tempo, o Partido comemorava ingenuamente o aumento da produção de frutas. Claro: o pessoal produzia frutas no quintal para destilar sua própria bebida. Foi aí que se decidiu recorrer à prevenção, pois proibir piora aquilo que se pretendia corrigir. Outra: na cadeia de Medianeira foi encontrado um alambique particular no qual os presos faziam bebida com frutas podres e cascas. Presos por embriaguez se embriagando na cadeia...
Pode-se proibir a produção, consumo ou venda de bebidas, mas isso de nada valerá se não houver o tratamento do dependente: sua vontade o fará encontrar meios para contornar a proibição. Por isso, leis secas só produzem um resultado: mais contravenção e, no geral, menos respeito às leis.
Que dizer da Inglaterra, onde os bares fecham às 11 da noite? Lá ocorre o fenômeno do binge drinking. Como o sujeito sabe que o bar (pub, dizem eles) já está para fechar, entorna as bebidas mais fortes para "aproveitar" o tempo. Sai do boteco amarrando um fogo espetacular e aguente quem quiser. Não é por outra razão que os hooligans bebem avidamente, como se o mundo fosse acabar dentro de alguns minutos se eles não entornarem todo o conteúdo de suas garrafas.
A Lei Seca, nas cidades, é do naipe daquelas famosas boas intenções das quais o inferno está cheio. Os bobódromos vão reinar, pois o pessoal vai trazer a bebida no carro dentro de isopores e varar a madrugada desafiando a Lei Seca, fazendo suas roletas-paulistas e tiro ao alvo em porta de colégio.
O alcoolismo não pode ser vencido com medidas pífias como essa, mesmo tão bem intencionadas. Só consciência, boa educação, privilégio à medicina preventiva e facilidade para a obtenção de tratamento poderá dar resultados concretos. Mas hoje é mais fácil fazer uma cirurgia complexa que receber orientação segura para contornar a dependência química.
Proibir dá no de sempre: os EUA se tornaram a maior nação de alcoólatras do planeta depois da Lei Seca, pois quem não bebia passou a beber por conta do óbvio - a proibição excita, atrai, provoca e estimula a curiosidade. Com a Lei Seca, não há garantia de que menos gente vai beber. E quem já bebe vai beber mais rapidamente, aumentando o efeito do álcool no organismo. Sartre dizia que o inferno são os outros. Na verdade, são outros quinhentos: o inferno real é combater os efeitos sem eliminar as causas. (Do Livro A Maldição Brasileira - Ilustração: Taringa)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br