O custo do caos urbano
Alceu A. Sperança
"Dante uma vez fez um inferno com a poesia e eu escrevo sobre o inferno que é a vida real de nossa época" (Victor Hugo, sobre seu livro Os Miseráveis, 1862)
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O periódico reajuste da tarifa do transporte coletivo urbano (TCU) tem um verdadeiro custo que vai muito além do preço a pagar no cartão ValeSim. Se o usuário do TCU desconfiar que seus gastos mensais com o busão podem pagar a prestação de uma bicicleta ou moto, as ruas ganham duas rodas a mais e o TCU perde um dos imprescindíveis financiadores do sistema. O pior é que comprar um carro usado é quase tão fácil quanto comprar uma bicicleta ou moto e os usuários mais atrevidos ambicionam passar do ônibus diretamente às quatro rodas.
Uma lástima que atravancaria ainda mais as ruas, pondo esse sistema tão útil e cidadão à beira da ruína. Um consumo maior de combustível. Danos ao meio ambiente. Reflexos inevitáveis na saúde física e mental. Mais mortes no trânsito. Aumento nos custos do sistema. Mais mordidas no bolso dos cidadãos que insistem em privilegiar o sistema e consequente agravamento da crise do TCU, além de propagandinhas chatas, sanguinolentas e inúteis sobre o risco de acidentes.
O transporte, em geral, constitui um dos grandes problemas do Brasil. Esburacadas pistas de rodagem escoam máquinas porcalhonas e assassinas que trazem carradas de problemas: consumo excessivo de energia caríssima, terríveis prejuízos ambientais, criminalidade estradeira, mortandade no tráfego. Essa realidade mostra que o estímulo ao transporte individual, via elevação dos custos do TCU, é o ovo da serpente de um desastre social. Se o TCU continuar desestimulado via encarecimento, logo cada família terá dois ou três veículos - e pelo menos um dos familiares vai passar por uma UTI ou receber o atestado de óbito por conta de um acidente. Alguém bem próximo a você já sofreu o horror do trânsito. Não é possível um destino positivo para o sistema com a queda de renda do trabalhador e elevação dos custos de seu deslocamento, acompanhadas pelo privilégio ao transporte individual e a definitiva badernização do trânsito.
O consumo de energia no setor chegou a um volume indecente. Enquanto a indústria coloca no mercado uma geladeira que economiza energia, o carro usado adquirido no 18° aniversário pelo garotão da família vai se encarregar de liquidar essa economia energética. A realidade planetária mostra que a era do petróleo se aproxima rapidamente do fim e isso levará a uma radical transformação na sociedade. Mas as indústrias vão vender na reta final de seu fastígio o máximo de veículos, por meio de facilidades enormes ao transporte individual. E o encarecimento do TCU e seu colapso servem perfeitamente a esse objetivo maléfico.
As alterações que a engenharia de tráfego promove no sistema viário não conseguirão melhorar objetivamente a situação do tráfego se o TCU perder muitos usuários para o transporte individual. O congestionamento tenderá a crescer na mesma proporção em que se desprestigiar o TCU.
O poder público deveria pagar ao cidadão para andar de busão e deixar a porcaria poluente com a qual desfila orgulhosamente a distribuir veneno, para uso essencial. Uma espécie de extintor de incêndio, equipamento que se compra sem a intenção de usar a toda hora. Mas, ao contrário, uma teia da aranha envolve o TCU com a ameaça de um colapso que, ao fim e ao cabo, será a desgraça do próprio poder público, revelando incapacidade para cumprir a sua única verdadeira obrigação: tornar a vida digna de ser vivida. (Do livro A Maldição Brasileira. Ilustração: Gustave Doré)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br