A hora do compromisso
Editorial Estadão
Instalou-se no País um clima de aflição com o futuro imediato em razão da perspectiva de que o próximo presidente da República seja eleito como resultado de um embate entre forças populistas, com tendências autoritárias. É em momentos como esse, em que a confusão suplanta a razão, que urge compreender, longe do calor dos discursos, os aspectos fundamentais dos desafios que assombram o País, pois, do contrário, a crise tende a se perpetuar, numa dinâmica que pode inviabilizar a desejada estabilidade política, econômica e social.
O primeiro aspecto diz respeito à legitimidade do pleito, colocada em dúvida desde sempre pelas forças políticas que agora aparecem nos primeiros lugares das pesquisas de intenção de voto. Enquanto Jair Bolsonaro (PSL) já disse, mais de uma vez, que qualquer resultado que não seja sua vitória será prova de que houve fraude nas urnas eletrônicas, os petistas vêm há bastante tempo sustentando que uma eleição sem a presença de seu demiurgo, Lula da Silva, também seria ilegítima. É perda de tempo procurar argumentos para rebater tamanha afronta à razão e à democracia, nem se poderia esperar comportamento diferente daqueles que sempre pautaram sua vida política por ideologias autoritárias.
É bastante simbólico do momento crítico que vive o País o fato de que seja imperativo rogar a todos os contendores da disputa presidencial que aceitem o resultado das urnas, seja lá qual for e por mais desagradável que pareça. A peleja cheia de rancor e ódio que ora se trava não autoriza otimismo a esse respeito, mas, a não ser que o objetivo de um e outro lado seja inviabilizar o próximo governo e prejudicar o País, o presidente eleito só terá condição de governar se contar com alguma forma de trégua política.
Ainda que esse armistício seja alcançado, e a legitimidade do eleito seja reconhecida por todos, como se espera e como deve ser, a crise tenderá a se manter e até a se ampliar se o próximo presidente não puder realizar as urgentes reformas requeridas para debelar o profundo desequilíbrio fiscal do País.
São muitos os candidatos e as forças políticas que não se comprometem com a realização dessas reformas. Alguns dão a entender, ao contrário, que, no governo ou fora dele, pretendem adotar modelos perdulários de administração das contas públicas que, no passado recente, se provaram desastrosos e são em grande medida responsáveis pela atual crise. E entre os que defendem as reformas não há, até o momento, quem o faça sem apor ressalvas que, no mínimo, reduziriam o alcance das mudanças.
Mas a crise é de tal forma grave e intrincada que a omissão diante de seus efeitos fatalmente levará o governo - qualquer governo - à inviabilidade, tanto por falta de recursos para administrar como porque, com o correr de poucos meses, terá infringido as leis de controle e responsabilidade fiscal.
Assim, se não realizar imediatamente reformas que comecem a colocar as contas em ordem, o próximo governo correrá o sério risco de incidir em crime de responsabilidade logo em seu primeiro ano, o que poderia justificar mais um traumático processo de impeachment. E nada garante que seu vice, uma vez na Presidência, teria melhor destino caso insistisse em negar a necessidade das reformas. Pode-se dizer que qualquer um que ocupe a cadeira presidencial - salvo se recorrer a artifícios golpistas - terá escassas condições de governar o País e até de se manter no cargo se não se dispuser a desmontar a bomba fiscal.
Como se vê, a saúde da democracia brasileira depende radicalmente das reformas, razão pela qual é imperativo romper o atual círculo vicioso de populismo e irresponsabilidade fiscal, afrontando o risco permanente de crises institucionais e substituindo-o pelo círculo virtuoso do debate político, da construção democrática do consenso e da prosperidade econômica, com o qual todos ganham. O momento exige que, apuradas as urnas, todas as forças políticas assumam o firme compromisso de tornar o País administrável, não apenas em bases mínimas, mas garantindo a retomada do crescimento e da paz social.