As tentações das saias levantadas
Alceu A. Sperança
A literatura religiosa apresenta uma impressionante recorrência no tocante às tentações sofridas pelos iluminados líderes de crenças e seitas. Cristo foi tentado com tremenda esperteza por Satanás, cujo comportamento se assemelhou ao de um bem treinado vendedor de porta em porta com talento para a publicidade. Mas Buda escapou por pouco: o demônio que o tentou foi terrivelmente esperto, deixando-o numa tremenda sinuca de bico. Maomé avisou que as tentações sempre aparecem e é preciso saber vencê-las.
As tentações de Satanás para fazer Jesus Cristo mudar de partido foram fortes e grandiosas. Calvin (o do Hobbes), se transformado em anjo de luz, tentaria Cristo com um gorduroso Big Mac, depois de 40 dias de absoluto jejum, mas o demônio propôs a Jesus pegar o parco orçamento que tinha (pedras) e o transformar em cesta básica para os famintos (pão). Jesus pulou fora alegando a seu modo que há algo além do assistencialismo. Ele fez render o orçamento, multiplicando pães e peixes, mas isso é outra história.
A segunda tentação foi dizer a Jesus que ele podia se atirar para baixo de um precipício, pois os anjos o protegeriam da queda. Mas a proposta foi igualmente recusada: quem tem convicção não vai na conversa de qualquer um que tenta atraí-lo para outro partido. A terceira tentação foi um ato desesperado de Satanás para levar Cristo à sua sigla partidária: ganharia mundos e fundos, águas e luzes, os tubos e os canos, se apenas se prostrasse diante do demônio e o adorasse. Não colou, pois Cristo tinha seu programa definido e não o traiu.
Com Buda o jogo foi ainda mais complicado. O "Senhor da Luxúria" alinhou suas três belíssimas filhas diante do príncipe Sidarta, que havia feito uma opção preferencial pelo povo. Na minha lúbrica imaginação vejo-as como loira, morena e ruiva. Cada uma representava o transcorrer da vida no tempo - Passado, Presente e Futuro - que se complica com o nome real de cada uma: Desejo (Passado), Satisfação (Presente) e Arrependimento (Futuro). Buda nem mesmo olhou para as saias quando se levantaram. Estava livre do apego e não se rendeu nem à ambição, nem a usufruir o poder do momento, nem depois a simplesmente se arrepender das bobagens feitas e tocar o barco adiante.
Também Maomé, o profeta que deu ao mundo o Islamismo, colocava a resistência às tentações diabólicas como elemento central de sua fé. Tanto que as tentações são representadas para seus crentes como três pilares nos quais se recomenda atirar pedras para simbolizar o repúdio prático a elas.
Quase tão perigosas quanto as tentações que buscaram desviar de seus "partidos" as três figuras mais influentes do pensamento religioso são as arapucas que variados demônios colocam diante dos nossos políticos, sobretudo os mais safados e os mais ingênuos.
Tirando outras às quais você e eu, leitor, somos submetidos a cada instante, como aquele novo automóvel, aquele quindim/copo a mais ou aquela ex-miss, as três tentações mais ameaçadoras para os políticos poderiam começar com uma extremamente insidiosa: a arriscada inclinação a perder tempo com fofocas/factoides e se deixar arrastar pelos salamaleques dos puxa-sacos.
A segunda seria subordinar a administração a um partido político, trocando a agremiação pela qual se elegeu por outra que lhe oferece vantagens. A terceira tentação é se julgar grande coisa porque recebeu uma delegação provisória e pode fazer as coisas sem ouvir a sabedoria popular.
As três tentações são mortais: faça uma lista de todos os políticos que passaram pela vida pública e a deixaram desmoralizados e no ostracismo. Então cheque se não mergulharam de cabeça nas três, duas ou pelo menos em uma dessas ruinosas tentações. (Do livro A Maldição Brasileira - Ilustração: Ceticismo.net)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br