Tabela ameaça o agro e o País
Editorial Estadão
O setor mais competitivo da economia brasileira, o agronegócio, promete mais um ano de bom desempenho, a julgar pelo crédito contratado nos primeiros dois meses do Plano Agrícola e Pecuário 2018-2019. Mais um robusto saldo comercial estará garantido, além de condições tranquilas de suprimento interno, se os fatos confirmarem as expectativas de hoje. Abastecimento farto e um saudável saldo comercial deverão proporcionar uma preciosa segurança ao novo presidente, no primeiro ano de seu mandato. Mas isso ainda vai depender de algumas condições, incluído um custo razoável de transporte, fator comprometido pela criação, por iniciativa do governo federal, do cartel dos caminhões.
Depois de entregar a segunda maior colheita de grãos da história, com 228,3 milhões de toneladas, os produtores agora se ocupam da nova temporada, cuidando principalmente da safra de verão. A primeira notícia positiva é a contratação, em junho e julho, de operações de crédito no valor de R$ 34,1 bilhões, o maior volume contabilizado para esse período em cinco anos. A soma é 45% maior que a de um ano antes, em termos nominais. Pode-se corrigir o montante por qualquer dos indicadores de inflação e o resultado será um importante crescimento real.
A maior parcela desse conjunto, de R$ 20,8 bilhões, é formada pelo financiamento de custeio, destinado às operações de plantio e de cuidado das lavouras. Em termos nominais, isto é, sem descontar a inflação, o aumento foi de 34,7%.
O primeiro levantamento das intenções de plantio será provavelmente divulgado em outubro. A soja deverá continuar como o principal foco de interesse. Algodão, arroz, feijão e milho também são importantes componentes da safra de verão. Em cada ano agrícola há três safras de feijão e duas de milho. A produção de inverno inclui vários cereais, sendo o trigo o mais importante.
As exportações do agronegócio renderam de janeiro a agosto US$ 68,5 bilhões, valor 4,7% maior que o de um ano antes. Importações em queda totalizaram apenas US$ 9,5 bilhões e o saldo foi um superávit de US$ 59 bilhões. Soja e derivados proporcionaram faturamento de US$ 31,2 bilhões e permaneceram como principal fonte de receita no comércio exterior. Outros produtos, além daqueles incluídos imprecisamente no conjunto dos "grãos", também são importantes na pauta de exportações. Os destaques incluem carnes e produtos de culturas permanentes, como o café, derivados da cana-de-açúcar e também produtos florestais.
O superávit de US$ 37,8 bilhões na balança comercial, no período de janeiro a agosto, só foi possível graças ao saldo de US$ 59 bilhões acumulado pelo agronegócio. Esse valor compensou o déficit comercial de outros setores da economia nacional e ainda proporcionou uma sobra considerável.
Graças ao bom saldo no comércio de mercadorias, o Brasil tem conseguido manter na conta corrente do balanço de pagamentos (formada também pelas contas de serviços e de rendas) um déficit inferior a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse déficit é facilmente financiável com o investimento estrangeiro direto e, além disso, o Brasil tem mantido reservas cambiais na vizinhança de US$ 380 bilhões.
Esses números garantem ao País alguma segurança numa fase de tensões nas finanças e no comércio globais. O Brasil tem sido afetado pela turbulência do câmbio, amplificada pela incerteza eleitoral, mas tem sofrido menos abalos que alguns outros emergentes, como Argentina e Turquia.
O desempenho comercial do agronegócio é um componente fundamental da barreira contra choques externos. O governo esqueceu fatos como esse, ao propor a criação de uma tabela oficial de fretes, fonte de danos sérios ao agronegócio e à indústria. Entidades dos dois setores arguiram a inconstitucionalidade da tabela, mas esperam resposta do Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, o cartel do transporte continua prejudicando a produção e a movimentação de mercadorias e, no limite, a segurança gerada pelas exportações.