Mortalidade infantil
Editorial Estadão
O aumento da mortalidade infantil - o primeiro desde 1990 - é uma advertência às autoridades sobre a necessidade de redobrar os cuidados para reverter o quanto antes possível esse quadro preocupante. Uma tarefa difícil, porque o fato está ligado ao avanço da pobreza - e consequentemente à grave crise por que passa o País e à redução de investimentos em importantes áreas da administração -, como mostram estudos de especialistas encomendados pelo Ministério da Saúde.
O sinal de alerta veio em 2016, quando foram registradas 14 mortes para cada mil crianças nascidas vivas, um aumento de 4,8% em relação às 13,3 de 2015. Uma das primeiras hipóteses levantadas pela professora Ana Maria Nogales Vasconcelos, da Universidade de Brasília, autora de um dos estudos feitos para o Ministério da Saúde, para explicar o aumento que começou naquele ano - com a diminuição do número de nascimentos, especialmente por causa da epidemia de zika, a taxa de mortalidade infantil poderia ser sido puxada para cima - foi logo descartada por ela mesma.
Embora o Ministério da Saúde ainda não tenha afastado inteiramente a possibilidade de influência da zika, a conclusão dos pesquisadores participantes dos estudos encomendados por ele é que o aumento da mortalidade infantil, depois de tanto tempo, está ligado ao avanço da pobreza e à consequente diminuição dos investimentos nos setores social e de saúde. O pesquisador Luís Eugênio Portela Fernandes de Souza, da Universidade da Bahia, analisou os investimentos federais - a partir de 2014, quando se acentua a crise econômica - em programas lançados para que o Brasil atinja metas propostas por organismos da ONU.
Os dados preliminares de seu trabalho indicam que de 18 áreas ligadas direta ou indiretamente ao problema somente 7 tiveram aumento de investimento entre 2015 e 2017. "Se você não tem moradia, não tem acesso à saúde, não tem renda, os reflexos negativos se potencializam", afirma Fernandes de Souza. Essa combinação de fatores é um dos grandes responsáveis pela situação a que se chegou.
Há também problemas de gestão na área de saúde a serem considerados, que comprometem a qualidade do atendimento médico, como afirma a professora Nogales Vasconcelos. Além disso, e com maior peso ainda, é preciso levar em conta possíveis falhas na fixação de prioridades para a alocação de recursos escassos, que podem ter levado a área social, em especial a saúde, a não ser colocada na posição que deveria.
Não se pode perder de vista, porém, que o fator principal é a crise econômica, a mais grave da história recente do País. Ela é que restringiu drasticamente os recursos que o governo pode destinar a todas as áreas da administração, não apenas à área social. A piora de todos os indicadores sociais - com destaque agora para o aumento da mortalidade infantil, depois de tanto tempo - é um dos pontos marcantes da herança deixada pelos governos lulopetistas, responsáveis por mergulhar o País no desastre em que ele se encontra e do qual luta a duras penas para sair. Logo eles, os petistas, que sempre se apresentaram como campeões do "social", e continuam a fazê-lo, teimosa e espertamente, contra todas as evidências.
O pesquisador Fernandes de Souza está certo ao chamar a atenção também para possíveis consequências a longo prazo do aumento da mortalidade infantil: "Se nada for feito, há o risco de os indicadores terem reflexo também na expectativa de vida do brasileiro". Segundo ele, nada há de inexorável na situação, "mas medidas de proteção precisam ser adotadas".
Por suas próprias dimensões, a superação da crise demanda tempo - e com ela a maior disponibilidade de recursos para atacar o problema da mortalidade infantil -, mas isso não impede que essas medidas de proteção possam ser adotadas para aliviar a situação a curto prazo.