A águia ferida e a galinha dos ovos de ouro
Alceu A. Sperança
Uma típica águia americana, ave que simboliza os EUA, caiu ferida no canteiro central de uma rodovia em Merrimac, Massachusetts, região que acolhe muitos imigrantes, inclusive brasileiros. Socorrida pela polícia, a ave estava com o fêmur esquerdo quebrado, requerendo cirurgia.
Ocorrência bem simbólica do que ocorre com os EUA depois da desastrosa gestão de Joe Biden seguida agora pelas desgraças para os imigrantes que vivem naquele país.
Assustados e com medo de ter suas vidas viradas pelo avesso a qualquer momento, ao se dirigir ao trabalho ou voltar para casa, os imigrantes preferem o cavalar custo de vida de lá a ficar sem perspectivas se retornarem.
Os imigrantes sempre foram a galinha dos ovos de ouro dos EUA. Mesmo ilegais, se alguma punição mereciam a tiveram - trabalhar a salários aviltantes por anos a fio sem ter a quem reclamar: sindicatos ou Justiça do Trabalho.
Se os EUA se tornaram uma grande nação devem essa conquista aos imigrantes. A presença positiva deles se evidencia clara e diretamente na força de trabalho. Enquanto uma geração sucumbia ao comodismo consumista, caindo no ócio e nos vícios da ciranda financeira, os imigrantes preenchiam os postos de trabalho vagos.
Toda vez que se noticiam inovações e invenções nos EUA, note que na grande maioria seus responsáveis são filhos de imigrantes, que historicamente sempre pagam mais impostos do que recebem benefícios de qualquer governo, punição extra pela ousadia de viver lá ilegalmente.
Olhar ao redor
Não é preciso ver a águia ferida para saber que a força real vem dos imigrantes. Basta olhar ao nosso redor e em nossas próprias famílias.
O Brasil é um país gigante, o maior da América do Sul e o quinto do mundo, mas essa conquista resultou de muita luta no passado. Luta de imigrantes, basicamente.
Pois o que era então o rei d. João VI quando, pressionando pelas tropas de Napoleão, foi orientado pelos ingleses a se refugiar no Brasil? A vinda desse rei migrante deflagrou todo o processo de conquista territorial que deu origem a esta grande nação.
Acossado por franceses, espanhóis e holandeses, o reino português ultramarino poderia ter virado meia dúzia de países. Não foi porque contratou militares de várias nacionalidades para proteger nossas fronteiras e ampliá-las.
Esses imigrantes militares receberam terras por todo o País em recompensa por seus feitos guerreiros. Depois seus sobrenomes se misturaram aos dos imigrantes que vieram para expandir nossa agropecuária, nosso comércio e nossa indústria.
Voltar atrás, nunca mais
São sobrenomes italianos, alemães, japoneses, ucranianos, poloneses, russos etc. Na II Guerra Mundial, seus filhos foram perseguidos criminosamente, como ocorre hoje nos EUA, onde as comunidades de imigrantes sofrem o terror da expulsão iminente, mesmo com a documentação em dia.
Nesta hora, quando o mundo abalado pelo trumpismo expõe imigrantes a humilhações desumanas, refletir sobre nossos avós imigrantes obriga a respeitar o que eles fizeram neste País.
Mesmo com três governos ineficazes e gastadores, o Estado democrático de direito que eles nos legaram garante a economia crescendo relativamente no Brasil, apesar de toda a barafunda mundial.
O crescimento chinês acima do esperado e a resiliência frente às imposições tarifárias dos EUA mantêm as expectativas de algum crescimento no Brasil mesmo com a tendência geral de declínio econômico no mundo.
A resiliência do Brasil deriva de uma intrincada conjuntura. É coisa que aos mais fragilizados dói e causa frustração, mas só malucos podem crer que o País vai afundar de novo na Década Perdida da ditadura (1980), quando milhares de filhos de imigrantes que viviam no Oeste do Paraná tiveram que deixar tudo para trás e seguir a outras regiões do País para melhorar de vida.
Os novos ventos que sopraram para o Brasil depois da vitória política de 1985 e da econômica de 1995, quando o agro deu a volta por cima, não se devem aos chefes malandros cercados de publicitários pagos pelos cofres públicos para lhes favorecer a autopropaganda. Devem-se ao legado de lutas e esforços dos filhos de imigrantes.
O pulso e o sangue
O Brasil resiste, não porque o Centrão, o verdadeiro governo, vencedor de todas as eleições, mereça muita confiança, mas porque este País de imigrantes, que em 1930 fizeram a única revolução nacional digna desse nome, soube também, em 1988, criar regras funcionais para manter a Nação em relativa ordem.
Um arranjo de pesos e contrapesos que mantêm as liberdades democráticas apesar das turbulências causadas pelos maus governantes e traíras, os vira-latas que abraçam a bandeira estrelada vermelha e azul tentando diminuir a conquista maior dos filhos de imigrantes - o espírito da Carta de 88.
Ela consagrou as Forças Armadas como inabaláveis guardiãs do Estado democrático de direito, matando o risco de voltar a uma ditadura liberticida como as do século XX.
O risco é a armadilha da renda média (https://x.gd/hQezh), que poucos lulistas e bolsonaristas já entenderam como a grande ameaça à pátria, mas o aviso está feito.
A águia americana está ferida, mas um dia vai vencer os horrores dos tempos presentes. A galinha dos ovos de ouro - a força de trabalho dos imigrantes e os talentos de seus filhos - resistirá aos ataques violentos que eles sofrem atualmente.
O Brasil também vai vencer as sacanagens dos poderosos. Há pouco elas ficaram escancaradas, como se vê na intimação feita pelo ministro Flávio Dino, do STF, para que o governo, a Câmara e o Senado se manifestem sobre a bandalheira das emendas parlamentares com autores secretos.
Apesar de governantes federais, estaduais e municipais aparvalhados, excessos judiciais e legisladores boçais, o país ainda cresce. O pulso ainda pulsa e dentro dele corre o sangue dos filhos dos imigrantes. (Foto: Polícia de Merrimac)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br