A inteligência como arma no combate ao crime organizado
Pierpaolo Cruz Bottini
Combater o crime organizado requer inteligência. Com a proximidade das eleições, voltam à tona propostas de aumento de penas, de qualificar crimes como hediondos, de impedir a progressão de regime e ampliar prisões. Ideias atraentes pela simplicidade e perigosas pelas consequências. Onde aplicadas, nenhuma delas aumentou a segurança pública. Ao contrário, elas agigantaram a população carcerária e ofereceram a grupos como o PCC milhares de novos militantes.
A mais eficiente forma de desmontar aparatos criminosos é identificar e bloquear seus recursos financeiros. É dificultar o processo pelo qual tais organizações ocultam capital sujo, impedir que esse dinheiro seja reintroduzido na economia. Sem patrimônio, elas não conseguem manter seus membros, pagar comparsas e comprar armas e instrumentos essenciais para suas atividades.
Para isso, desde 1998, o legislador criminalizou a lavagem de dinheiro. Além de punir o roubo, a corrupção, o estelionato, a lei castiga também o ato de esconder e tentar dar aos valores provenientes desses delitos uma aparência lícita. Assim, o funcionário público que recebe propina e simula a venda de um imóvel para justificar a receita pratica dois crimes: a corrupção - pela propina - e a lavagem de dinheiro - pela dissimulação.
Mas o poder público não consegue, sozinho, identificar atos de lavagem de dinheiro. Em geral, são operações sofisticadas, complexas, de difícil percepção. Por isso, apela para a cooperação do setor privado, em especial daqueles usados com mais frequência para ocultação de valores, seja porque movimentam quantidades grandes de recursos - dificultando o controle individual de cada operação - seja porque trabalham com produtos ou objetos de valor subjetivo, de difícil mensuração, como obras de arte.
Assim, bancos, corretoras de imóveis, seguradoras, joalheiros, concessionárias de veículos, leiloeiros de arte - e mais recentemente - intermediários de direitos de artistas e atletas são chamados a colaborar na identificação de possíveis atos de lavagem de dinheiro.
Devem cadastrar seus clientes, os negócios realizados, e comunicar ao poder público atos suspeitos, como o uso de dinheiro vivo para altos pagamentos, operações sem razões econômicas aparentes, compras em nome de terceiros e assim por diante.
Ninguém melhor para apurar a existência de comportamentos estranhos e fora do padrão em uma instituição financeira do que o gerente de banco, no mercado de pedras preciosas do que o joalheiro, em um contrato de venda de direitos de atletas do que o profissional que atua no setor.
Essa cooperação tem dado resultados. Só em 2017 foram recebidos pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) mais de 1,5 milhão de comunicações e produzidos mais de 6.000 relatórios de inteligência com indicativos de atos suspeitos, que oferecem dados essenciais às investigações sobre ilícitos. Com isso, a identificação das formas de atuação das organizações criminosas, seus braços e ramificações fica mais fácil, e seu enfrentamento mais efetivo.
O aprimoramento de mecanismos para gerir essa enormidade de informações; o investimento em instrumentos de cruzamento de dados, que permitam seu compartilhamento com órgãos de fiscalização e controle - sempre respeitadas as normas legais -; e a regulação mais organizada da relação com as entidades privadas são políticas de segurança mais relevantes do que muitas propostas simples, superficiais e equivocadas, recorrentes em programas de governo.
Não é preciso reinventar a roda, mas apenas garantir recursos e estrutura para aprimorar e expandir aquilo que já funciona.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de direito penal da USP