25 milhões abandonados e 291 milhões ricos
Alceu A. Sperança
No dia de sua posse, 20 de janeiro, o presidente Trump recebia solícito no aeroporto a Sra. Michelle Bolsonaro. Uma fotografia provava. Difícil acreditar, porém. Afinal, ela foi ostensivamente desautorizada pelo marido: nem o representa nem trata de assuntos diplomáticos e políticos. O autorizado é só o filho Eduardo, que sabe falar inglês.
Quem não acreditou na farsa da foto acertou. A imagem era fake, montada com aplicativo de Inteligência Artificial.
É por causa desse tipo de aplicativo que ficou fácil inventar verdades: você vê e escuta, mas é tudo montagem. Se acreditar, é por ingenuidade ou pelo desejo doentio de que a mentira finja ser verdade para facilitar a intenção de enganar, fraudar, prejudicar terceiros.
Só que vai acabar como a história do Pedrinho e da onça. O menino trolava a aldeia gritando "olha a onça!", e não tinha onça, só as gargalhadas do Pedrinho. No dia que uma onça realmente o pegou ninguém foi socorrer, pois estava desacreditado.
Vivemos tempos de dúvidas e de duvidar, pois aquilo que rola nas redes sociais é um festival de mentiras e pegadinhas para iludir crédulos sem hábito de raciocinar.
Criminosos robôs virtuais estão neste momento ativos simulando curtidas, visualizações e ganhando dinheiro com engajamento artificial e fake.
Dois demônios heróis
O cantor sertanejo Ronaldo Torres comandava um esquema de roubo de músicas com uso de perfis falsos no Spotify. Com fãs falsos e robôs simulando incontáveis plays, a grana obtida por essa fraude era drenada para um Pix registrado por ele.
Ao ser apanhado, em Passo Fundo (RS), ostentava cerca de R$ 2,3 milhões em carros, criptomoedas e mordomias várias.
Por conta de mentiras inventadas a toda hora por lulistas demonizando Bolsonaro e bolsonaristas agredindo Lula, as imagens desses dois ficam obsessivamente martelando nas cabeças de quem não consegue perceber que a crítica é mentira e o elogio é falso.
A bem da verdade, se neste momento você tirar o nome Lula da cabeça de um bolsonarista e o nome Bolsonaro da cabeça de um lulista, o que sobra não é nem a direita nem a esquerda, coisas que já nem existem mais: sobra o Centrão dominando o país da nascente do rio Ailã, em Roraima, ao arroio Chuí; de Ponta do Seixas, na Paraíba, à nascente do rio Moa, no Acre.
Peço licença para contar algumas verdades verdadeiras, que podem ser checadas facilmente em seu buscador de confiança.
Jaime Lerner: "Ô, Lula!..."
Em maio de 1994, Lula, que ainda não tivera nenhuma experiência de governo, declarou: "Às vezes, penso que o povo gosta de ser enganado".
Agora ele já sabe com certeza que é disso que o povo gosta. O próprio Lula contou que ao participar de um debate com Roberto Marinho (O Globo) e o arquiteto Jaime Lerner em Paris, lá pelas tantas o então futuro presidente disse que o Brasil tinha 25 milhões de crianças de rua.
Ao falar essa mentira, Lula percebeu a reação da plateia: "Eu era aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar, o Jaime Lerner falou assim pra mim: ô Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, Lula, porque senão a gente não conseguiria andar nas ruas, Lula. É muita gente".
Note que são declarações do próprio Lula, acháveis no seu Instituto.
Exagero semelhante foi cometido no dia da posse pelo presidente Donald Trump. Ele disse que 60 milhões de soviéticos morreram na II Guerra. Se fosse verdade os nazistas teriam vencido, pois na verdade "apenas" 28 milhões morreram.
Exageros não produzem verdades
Essa exorbitância faz lembrar o curioso caso da postagem do trêfego deputado federal Nikolas Ferreira com mentiras sobre o Pix que alcançou quase 300 milhões de visualizações.
Quem estaria tão preocupado com o monitoramento de quem ganha mais de 5 mil reais por mês? A dita postagem, segundo o Quaest, alcançou 291 milhões de visualizações no Instagram, superando o vídeo de Lionel Messi comemorando a vitória na Copa do Mundo (206 milhões) e a celebração de Donald Trump ao vencer a disputa pela presidência dos EUA (meros 57 milhões).
É fácil, extremamente fácil, para políticos manhosos usar o dinheiro público para pagar agências que usam robôs para simular aprovação, visualizações e curtidas nas redes sociais.
Tal como o sertanejo Ronaldo Torres usou o esquema para enriquecer, os políticos o usam para forjar popularidade.
É evidente que não há 291 milhões de pessoas preocupadas em pagar imposto por movimentar acima de 5 mil reais.
Considerando que o Brasil tem ao redor de 215 milhões de habitantes de carne e osso, dos quais cerca de 35 milhões infelizes vivem em insegurança alimentar absoluta, quase 20 milhões vivendo em favelas, teríamos com muito favor, juntando pobres, remediados, classe média e ricos, ao redor de 180 milhões de pessoas monitoradas por movimentar 5 mil reais em Pix.
É muita gente faturando 5 mil por mês
Claro que os 60 milhões que vivem do Bolsa Família também não teriam por que se irritar com o tal monitoramento, que vem desde 2015 para quem movimenta mais de 2 mil mangos.
Aí, por malandragem ou ignorância, derrubaram a checagem acima de 5 mil e voltaram ao monitoramento pior, para mais de 2 mil. E comemoram a besteira como se tivessem ganhado a Copa do Mundo.
Só pobres sem contador ignoravam que todos já somos monitorados por movimentar apenas 2 mil reais há pelo menos uma década. Rico sem contador, cá entre nós, ou tem formação em contabilidade - mesmo assim teria alguém para trabalhar diretamente com suas contas - ou é criminoso.
Há vinte anos, também falando na França, o mesmo Lula que hoje mora na cabeça dos bolsonaristas obcecados, disse que "o Brasil não merece o que está acontecendo e sim algo muito melhor".
Sim, não merece. Mas, sejamos claros: não é com robôs fajutando likes em postagens de rede sociais nem com bandos de apaixonados por políticos de estimação se agredindo com mentiras que o Brasil vai se tornar realmente algo melhor. (Ilustração: Reprodução/Mescla)
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br