Conversa pra boi dormir
No Brasil, o que o mal conspira contra o bem é algo que beira o inimaginável. Leis existem, e não são poucas, mas, via de regra, com brechas que permitem interpretações "de acordo com a cara do freguês". E nos casos em que isso não é possível, não tem problema: dá-se um jeito na base da canetada.
Uma decisão de quinta-feira da semana passada, mas que passou despercebida da grande maioria, dá bem uma dimensão disso: em decisão monocrática, o ministro do Gilmar Mendes determinou a realização de mutirões no sistema prisional do País todo para assegurar o cumprimento de uma decisão da Segunda Turma do STF assegurando a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar a todas as mães de crianças menores de 12 anos de idade, independente do tipo e da gravidade dos crimes cometidos.
Ironicamente, a decisão foi proferida em habeas corpus apresentado pela defesa de uma mãe de criança de 4 anos presa com 5 gramas de crack porque o ministro concluiu que a droga consumida por ela não estaria disponível para o filho, como se não soubesse ele - que é pai de dois - que isso não passa de conversa mole, já que ninguém precisa ser catedrático em psicologia ou coisa que o valha para saber que mãe drogada não tem condições de cuidar de um rebento.
Na mesma decisão, o nobre ministro ignorou outro fato que salta aos olhos: que de há bastante tempo o principal investimento do poder público brasileiro na chamada primeira infância tem sido a construção de creches, há algum tempo rebatizadas de Cmeis e muitos deles verdadeiros depósitos de crianças, o que torna ainda mais insignificante o motivo alegado para a soltura da ré em questão. É bem como diz o ditado: "Não há nada tão ruim que não possa piorar"! (Foto: Tânia Rêgo/AGBR)