O contragolpe de Flávio Dino e a bomba atômica
Alceu A. Sperança
Não é novidade que o presidencialismo está morto no Brasil. Nunca mais voltaremos a ter presidentes guerreiros como Floriano Peixoto e Artur Bernardes ou ditadores escorados na propaganda, como Vargas e os generais.
Desde Michel Temer os presidentes são máquinas de falar, mas não de decidir, pois quem decide é o Centrão. O presidente, seja ele quem for, fala muito, mas é para disfarçar que só as iniciativas apoiadas pelo Centrão serão de fato aplicadas.
A jogada do presidente de plantão é negociar a medida nos bastidores e anunciá-la na mídia em seguida como se fosse a sua vontade.
Aí, quando passar no Congresso e o Judiciário não derrubar, seus biógrafos dirão que a ideia foi dele. Na verdade, nada passa sem que o Centrão decida o que lhe convém, mesmo que seja grossa bandalheira.
Formado por cerca de vinte partidos baseados em palavras como família, deus, liberdade, pátria etc, no poder eles prejudicam muitas famílias, só para começar, e em seguida prejudicam o resto.
Cabo e soldado já não bastam
Todo o arcabouço construído desde a Constituição Cidadã cairia por terra em 8/1/22 se vencesse a tese de que basta um cabo e um soldado (ou alegres arruaceiros) para fechar os três poderes.
Quando o Centrão aparece como a opção menos ruim se nota claramente que o jogo eleitoral "extrema-direita x trabalhistas" é a desgraça manifesta. Enfim, graças aos poderosos arquitetos do centrismo, o golpe não saiu.
Mas quando o jogo vencido já estava na prorrogação, eis que o ministro Flávio Dino, do STF, aplicou um contragolpe histórico: bloqueou a enxurrada de emendas centristas suspeitas no valor de R$ 4,2 bilhões.
Dino, que alguns suspeitavam ser mero pau mandado do governo, lavou a alma da multidão que brada contra a corrupção e o saque dos cofres públicos.
Ele não só bloqueou o dinheiro como também mandou a Polícia Federal investigar quem se beneficia do segredo para mamar nas tetas da vaca patriótica.
Em agosto, aliás, ele havia tentado forçar o governo e o Congresso a dar transparência à farra das emendas, exigindo os detalhes específicos de cada emenda, inclusive quem as indicou.
Quem precisa de orçamento secreto?
Só que Dino levou uma rasteira dos dois: nem o governo nem o Congresso queriam aceitar as emendas em pratos limpos. Queixaram-se e lhe pediram relaxo.
Aí você pergunta: por que essa gente que se orgulha de ser honesta se esforça tanto para esconder o que faz?
Quando o governo já havia liberado ao redor de R$ 700 milhões, Dino apitou o pênalti e agora quem queria se esconder com tanta volúpia tem a Polícia Federal na cola.
Cá entre nós, os três poderes apresentam algumas distorções. Cada qual tem uma interpretação própria e elástica do que cada artigo da Constituição quer dizer.
Haverá em 2025 fortes atritos entre os três poderes. Ora o Executivo e o Legislativo armando para o atrevido Judiciário, ora o Executivo e o Judiciário armando para os picaretas do Congresso, ora o Judiciário e o Legislativo pondo cangas no abusivo Executivo.
Que sempre seja assim, um atento aos excessos dos outros dois. Cá entre nós 2, a missão: Dino atrair as atenções abruptamente para si tirou os holofotes do ministro Xandão. Kassio Nunes votando contra Bolsonaro, idem.
Os corruptos de todos os níveis vão aumentar os ataques contra o STF e tramar o impeachment de quem atrapalha os negócios do Centrão, mas se isso não ficar para depois da III Guerra Mundial a fofoca vai rolar solta.
As duas bombas
Quando influencers malandros querem atenção imerecida anunciam, espalhafatosamente: Bomba! Bomba!
Sem querer influenciar ninguém, o assunto agora são duas bombas.
A atômica está anunciada para a mais burra e despropositada de todas as guerras depois daquela com o Paraguai, que endividou o Brasil.
Se a Otan se metesse no conflito Rússia x Ucrânia, insinuou o russo Putin, a ameaça nuclear voltaria à pauta.
Qualquer bebê recém-nascido sabe que a guerra não duraria tanto se a Otan já não estivesse desde o início por trás do ditador filonazista Volodymyr Zelensky.
A única forma de evitar a bomba atômica é a segunda bomba - a econômica - afetar de tal forma a vida das pessoas que as revoltas populares consigam pôr abaixo todos os governos e regimes, pois já se viu que nenhum presta.
O voto direto, essa panaceia universal, nem nos EUA é praticado: a eleição presidencial é feita pelo colégio eleitoral. E onde o voto vale, os eleitos justificam Nelson Rodrigues, para quem "a maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade".
A hipótese sem bombas
Muito depois de Rodrigues, Umberto Eco diria mais ou menos o mesmo da internet e suas redes sociais repletas de malandros desumanos com a possibilidade de viralizar facilmente qualquer ofensa ou meme distorcendo fatos: "A internet deu voz a uma legião de imbecis".
Se essa imensidão de imbecis e idiotas não criarem juízo nas próximas horas o risco de uma bomba atômica estourar é enorme. Se a bomba econômica não desarmar a atômica, bye-bye. Não nos veremos mais.
Se a bomba atômica pôr fim a tudo, só restarão as baratas roendo baratos restos humanos envenenados. Não haverá anjos, deuses ou coaches arrogantes a venerar.
Há também outra hipótese, a melhor: não vai explodir nenhuma bomba, nem a atômica, nem a econômica.
Nessa hipótese alentadora, os interesses dos povos vão varrer a dinheirista insanidade bélica, as relações entre os países se normalizarão e cada ser humano terá o que merece em felicidade, riqueza e bem-estar. Escolha a hipótese que melhor lhe convém e lute por ela. (Ilustração: Mescla)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br