Os Numerati e os netos arrepiados
Alceu A. Sperança
Há coisas tão absurdas neste mundo governado pelo Deus Dinheiro que deveriam ser banidas de uma vez por todas da história humana, por sua indignidade. Mas, ao contrário, nós vamos suportando tudo, banalizando e nos acostumando com o impossível e desumano até que ele se torne parte de nossas vidas.
Dá medo imaginar o que pensarão nossos netos por aceitarmos a fabricação de doenças nos países pobres para o enriquecimento de laboratórios transnacionais. A existência de monstros condenando os direitos humanos. A geração de crises para surrupiar dinheiro dos pobres e enriquecer os ricos ainda mais. A droga como geradora de doença, violência, poder e riqueza. Comida que poderia matar a fome de irmãos precisar ser destruída por falta de uma política mundial de respeito aos produtores. Torrar dinheiro em armas, invasões e guerras e negar recursos à alimentação e à saúde.
O que vão dizer nossos netos, dentro de meio século, de aceitarmos viver em cidades atravancadas de veículos, poluindo, matando, ferindo, incapacitando e causando doenças pulmonares, sofrimento psíquico, estresse e depressão?
Hoje mesmo, se indagarmos a uma criança o que ela acha sobre as ruas estarem congestionadas de carros e a indústria automobilística, já aquecida, receber estímulos para se expandir ainda mais, ela vai dizer que uma hora isso terá que acabar, pois se houver carros demais nas mesmas ruas, o trânsito vai ficar cada vez mais lento, até parar. De fato, a coisa toda um dia vai estourar e medidas em sentido contrário serão tomadas obrigatoriamente para refrear o uso indiscriminado dessas máquinas, mesmo que elas passem a ser elétricas e cessem a emissão de substâncias venenosas e assassinas no ar.
Saindo da doença para a moral, o que pensarão de nós os mesmos netos quando souberem que convivemos alegremente com a corrupção? Um câncer que, segundo um estudo da Fiesp, faz o Brasil perder várias dezenas de bilhões de reais - grana suficiente para construir pelo menos um milhão de casas populares. Aliás, a ONU estima que, no mundo, a corrupção consome mais de U$ 1 trilhão, o que corresponde a 1,5% do PIB mundial.
O que vão pensar de nossa ingenuidade, por cairmos nos truques mais infantis da ideologia? Aplaudimos discursos como se fossem declarações sinceras, sem imaginar que são escritos por meio de fórmulas pesquisadas por especialistas na "arte" da engabelação.
Cada presidente que entra é tido como um ser iluminado, um salvador da Pátria, quando na verdade é o fantoche de uma estrutura de poder que sustenta, via financiamento de campanhas, todas as patranhas e malandragens responsáveis por tornar o mundo esse "asco", no dizer da Mafalda de Quino.
É o caso de Obama e tantos outros, talhados para ser pais dos pobres e mães dos ricos. Com a palavra, Stephen Baker, sobre um tipo de gente formada para espionar nossas vidas - os Numerati:
"O Partido Democrata contratou uma consultoria para usar os dados dos consumidores americanos e dividir a população em dez tribos, baseadas em diferentes crenças e valores. (...) Para Howard Dean, o presidente do Partido Democrata, com os dados dos consumidores pode-se prever com 85% de certeza qual candidato cada um de nós escolherá".
Isso deveria estar nos deixando arrepiados. Nossos netos ficarão. (Ilustração: Luiz Delfin/Fotoarte)
Alceu A. Sperança é jornalista e historiador