O futuro é agro
João Martins
Já fomos, no passado, o país do futuro. Hoje, há quem já não tenha mais tanta certeza disso. No próprio debate político do momento, as principais agendas estão quase inteiramente voltadas para os problemas do passado e se arrastam no presente. Essas urgências do presente não querem deixar espaço para se pensar no futuro.
No mundo em que vivemos hoje, a única certeza é a mudança, e precisamos nos preparar para ela. Além dos grandes problemas do presente que precisamos resolver, devemos ter consciência de que o mundo ruma em direção a territórios ainda não cartografados com precisão e que algumas sociedades podem se perder neste caminho.
O agronegócio brasileiro é uma história de sucesso. Aproveitamos as oportunidades abertas pela grande Revolução Verde de 70 anos atrás, com suas descobertas na área do melhoramento genético, da nutrição vegetal e do controle e combate de pragas e doenças e inventamos uma nova agricultura tropical.
Ela foi capaz de explorar os cerrados ociosos que eram, até então, inaptos para agricultura. A revolução agrícola foi o resultado da convergência virtuosa de ciência internacional, de instituições como Universidades Rurais e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e de uma nova geração de empreendedores rurais. Raras vezes testemunhamos um encontro tão bem-sucedido.
A demanda mundial por produtos do agro, sejam alimentos, fibras ou bioenergia, ainda vai crescer, e poucos países no mundo serão capazes de atender a esse crescimento.
O principal deles é certamente o Brasil, mas para isso precisamos de uma nova revolução, não baseada apenas nos avanços das ciências biológicas, mas principalmente em tecnologias habilitadas para a informação. A revolução digital está chegando ao campo. É o caso das tecnologias da informação, da nanotecnologia, da biotecnologia, da internet das coisas e da inteligência artificial.
Vamos entrar no ambiente da Quarta Revolução Industrial, um processo que mudará a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Chegou nossa oportunidade de trocar a tradicional posição de figurantes para protagonistas.
Mais de 75 startups nasceram nos últimos dois anos, com foco nas necessidades do agro, refletindo nossa capacidade de criar e inovar. Com essas tecnologias, vamos reduzir o uso de insumos por meio da agricultura de precisão que, utilizando sensores e instrumentos de georreferenciamento, torna possível medir as necessidades nutritivas de cada parcela de solo, permitindo a aplicação econômica de fertilizantes.
O uso de satélites, da internet das coisas nos equipamentos agrícolas, de sensores eletrônicos para medição da umidade do solo, tudo isso e muito mais vai permitir um salto na gestão da produção rural e o uso mais racional dos recursos naturais, ou seja, produção sustentável.
Os avanços das tecnologias habilitadas para a informação aumentam a cada dia de velocidade e diminuem de preço.
Os produtores rurais brasileiros são um caso exemplar de empreendedorismo, numa sociedade em grande medida conformada com o paternalismo e o assistencialismo. Eles vão utilizar o poder das novas tecnologias, desde que elas estejam ao seu alcance.
Para isso, além das nossas tradicionais demandas por melhor infraestrutura de logística, queremos agora do Estado duas novas coisas: conectividade em banda larga nas áreas de produção e investimento em educação técnica para adequar os trabalhadores aos novos processos e às novas ferramentas.
Estes são bens coletivos, que precisam de oferta pública. Se eles nos faltarem estaremos perdendo mais uma oportunidade de chegar ao nosso futuro. O debate político ganharia muito se deixássemos de lado a discussão das ideologias do passado para nos concentrarmos nas exigências e oportunidades do nosso século.
João Martins, presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)