Quando o Luiz Inácio da Silva deu lugar ao Lula
Carlos Antonio Reis
No último dia 4 o STF (Supremo Tribunal Federal) negou, por 6 votos a 5, o pedido de habeas corpus de Lula. Na ocasião, o Brasil e o mundo estavam com o olhar voltado para Brasília, mais especificamente para os 11 ministros da Suprema Corte, que encerrariam um triste capítulo da história política da República verde-amarela. E novos capítulos serão escritos e roteirizados nos próximos meses.
Voltemos àquela quarta-feira. Eu estava em Brasília e, logo pela manhã, percebi na Esplanada dos Ministérios que seria um dia difícil para todos os brasileiros. Afinal, o desfecho mexeria com as emoções de favoráveis e contrários ao ex-presidente. Ruas fechadas no entorno do STF, muitos policiais de prontidão e, por fim, grupos de manifestantes favoráveis e contrários a Lula.
Na ocasião, vi mais do que isso. Aqueles grupos, com seus carros de som e bandeiras, refletiam uma nação dividida, que de Norte a Sul, Leste a Oeste acompanhava pela imprensa aquela sessão do Supremo, que se arrastou por longas 11 horas até a proclamação do resultado e durante a qual cada ministro justificou seu voto com uma linguagem rebuscada e incompreensível para a maioria dos brasileiros.
Mas o que me levou a refletir mais profundamente foram os acontecimentos do sábado seguinte, dia 7. Acompanhando pela TV a prisão do ex-presidente Lula, fui tomado por um misto de dúvida, tristeza e pena daquele senhor de cabelos brancos e ralos sendo encarcerado. Questionei-me quem era ele: o Luiz Inácio da Silva ou o Lula?
Alguém mais atento pode dizer que se trata da mesma pessoa. No meu ponto de vista, porém, aquele senhor conduzido gentilmente pelos agentes da PF se tratava do Lula, ex-presidente do Brasil. Mas e o Luiz Inácio da Silva, onde estava então? Pensei sobre isso e num breve retrospecto concluí que ele havia sido substituído pelo Lula quando, na eleição de 2002, depois de ter sido vencido em três disputas eleitorais, mudou o tom e se transformou no "Lulinha paz e amor", tendo como vice um dos maiores empresários do ramo têxtil do Brasil, o já falecido José Alencar.
Na ocasião, Lula fez alianças políticas e concessões que o levaram a se tornar o primeiro presidente operário do Brasil e depois, para garantir a governabilidade, continuou fazendo concessões e alianças questionáveis para um partido socialista com figuras de reputação duvidosa (José Sarney, Renan Calheiros, Henrique Meirelles, Roberto Jefferson, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima e outros "ilustres" senhores da República). Acredito que foi aí que o Luiz Inácio foi sepultado e deu vida ao Lula.
Aquela bonita história do menino que saiu do Nordeste e foi para São Paulo para se transformar no mais admirável líder político do Brasil (saga que se transformou em filme), trazendo esperança e avanços de fato e inquestionáveis para o povo brasileiro, foi maculada no exercício do poder. Lula foi seduzido ou, se preferirem, abduzido pela elite, que domesticou a esquerda para que esta incorporasse os princípios da socialdemocracia.
Muitos haverão de discordar dessa minha opinião. Que assim seja, mas tenho reserva moral para fazer esta reflexão, pois fui um dos fundadores do PT na minha cidade. Por isso, conheço a trajetória de Lula e ainda acho que ele foi uma figura extraordinária e que, apesar de todo o ocorrido, não pode ser tratado com escárnio e reduzido a um mero criminoso, nem tão bandido quanto alguns setores querem fazer acreditar e nem tão inocente quanto seus apoiadores insistem em afirmar.
Paixões à parte, acredito que Lula pagou um preço alto pelas opções feitas para tocar seu governo. Rendeu-se, provavelmente por força das circunstâncias, e entrou no "esquema". Sim, no "esquema", pois não sou ingênuo a ponto de acreditar que PT, Lula, Palocci e Zé Dirceu inventaram sozinhos toda essa estrutura corrupta que permeia o Estado brasileiro e que fez com que, em nome da governabilidade, o Luiz Inácio fosse deixado de lado e o Lula passasse a governar de acordo com os interesses que contrariavam todos os princípios do Partido dos Trabalhadores.
Apesar de sua grande história, esse homem de trajetória admirável manchou a sua biografia e hoje vê os mesmos engravatados que o abraçavam e exaltavam sua história apontando o dedo para ele e entregando o "esquema". Lula paga hoje um alto preço por confiar e se aliar àqueles que de fato têm o poder no Brasil. Resta torcer para que nesses dias de cárcere reencontre o homem idealista e corajoso e o operário chamado Luiz Inácio da Silva.
Carlos Antonio Reis é professor e prefeito de Anahy