Mitos e medos do livre comércio do agro entre Mercosul e Europa
João Guilherme Sabino Ometto
O mundo todo assistiu aos recentes protestos dos produtores rurais de vários países da UE (União Europeia), incluindo bloqueio de ruas e estradas com caminhões, tratores e barricadas de fogo, num cenário que parecia o de uma guerra. Suas reivindicações, em síntese, são a garantia de preços mínimos remuneradores da atividade e subsídios, restrição às áreas preservadas nas propriedades rurais e não implementação do acordo entre seu bloco e o Mercosul.
Todos esses pontos convergem para uma questão nevrálgica, a concorrência, principalmente com o nosso país, cujo agronegócio é um dos mais competitivos no contexto global, líder e/ou posicionado nos primeiros lugares na produção de alimentos, biocombustíveis e commodities. Cabe lembrar que o setor, como todos os ramos de atividade, enfrenta os ônus do "Custo Brasil".
Dado o grande alarde dos produtores europeus, é pertinente analisar alguns números e informações divulgados pela imprensa, por ocasião de sua mobilização, e fazer comparações. Uma de suas principais reclamações é de que a legislação ambiental da UE é mais rígida do que a nossa, ao estabelecer perímetros equivalentes a 4% das suas terras para recuperar a vitalidade do solo e preservar a biodiversidade. Ora, no Brasil, o Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012) determina que, em imóveis rurais localizados na Amazônia Legal, a reserva ambiental será de 80% da propriedade nas áreas de florestas, 35% nas de cerrado e 20% para os imóveis em campos gerais. Nas demais regiões do País, independentemente do tipo de vegetação, o mínimo é de 20%.
Os europeus deveriam saber que a área destinada à preservação da vegetação nativa e mananciais nos imóveis registrados e mapeados no CAR (Cadastro Ambiental Rural) representa 26,7% da superfície brasileira, segundo a pesquisa Embrapa Territorial. Com isso, são protegidos no interior das propriedades 227,4 milhões de hectares, o equivalente à extensão de dez nações da Europa, incluindo França, Espanha, Alemanha, Itália, Reino Unido, Hungria, Portugal, Dinamarca, Holanda e Suíça, cujos produtores esbravejam contra meros 4% de suas terras para contemplar a natureza e ajudar o planeta a respirar.
O agro brasileiro tem se pautado por práticas cada vez mais sustentáveis. Nas últimas quatro décadas, nossa área plantada com grãos expandiu-se em 91%, enquanto a produção teve crescimento de 478%. Houve, portanto, significativo ganho de produtividade, conforme mostram as estatísticas da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Além disso, de acordo com a Embrapa, instituição de ciência e pesquisa referência no mundo, 66% de nosso continental território são cobertos por vegetação nativa. Onde está a Floresta Negra original?
? Outro objeto dos protestos europeus é relativo aos pretensos subsídios dos brasileiros. Quais? O Plano Safra, apesar dos esforços contínuos do poder público, não atende a todos os produtores, de modo que numerosos deles recorrem ao mercado financeiro convencional, com altos juros, para financiar suas lavouras. Também é preciso observar que os recursos do programa não são a fundo perdido, pois o crédito concedido deve ser rigorosamente pago pelos tomadores.
Contraponto: na UE, a Política Agrícola Comum destina bilhões de euros anuais aos empresários do campo. Quase metade da sua renda provém dessa fonte. E eles querem mais subsídios, sob o pretexto do aumento das exigências quanto à sustentabilidade. Há, ainda, elevadas tarifas protecionistas para produtos estrangeiros, em média de 10,1% para frutas e verduras, 17,0% sobre a carne e 38,4% para laticínios, por exemplo.
Apesar de todas as questões aqui analisadas, os produtores brasileiros estão prontos e muito dispostos a competir num livre e ético mercado com seus colegas europeus. Assim, embora as possibilidades pareçam cada vez mais remotas, seguimos na expectativa de que o acordo entre os blocos seja implementado. (Foto: Jaelson Lucas/AENPR)
João Guilherme Sabino Ometto é engenheiro, empresário e membro da Academia Nacional de Agricultura