Penso, logo existo!
Luiz Claudio Romanelli
"O desafio da modernidade é viver sem ilusões, sem se tornar desiludido" - Antonio Gramsci.
Pouco antes de morrer, o filósofo italiano Umberto Eco, que era um estudioso da comunicação, comparou a internet ao personagem Funes, o Memorioso, criado pelo escritor argentino Jorge Luís Borges em um conto da década de 1940. Trata-se de uma pessoa que adquiriu a capacidade de memorizar fatos e detalhes da sua vida e de relatá-los com extrema precisão. A habilidade extraordinária de memória, no entanto, o tornou incapaz de desenvolver pensamentos abstratos e ele vivia fechado em si mesmo.
O pensamento abstrato, todos sabemos, tem sido fundamental para o funcionamento e o progresso da sociedade. A abstração é a essência da filosofia e o combustível da inovação. É ela que permite que indivíduos pensem além do concreto, e é a partir disso que se constroem conceitos sobre questões que não estão fisicamente presentes. Quem enxerga pelo modo abstrato considera variáveis e cenários para além daquilo que é visível.
Eco usou aquela ilustração de Funes para reforçar uma tese de que a humanidade deveria aprender a distinguir o que se passa no universo virtual. Na avaliação dele, o aprendizado sobre isso deveria começar inclusive nos primeiros anos de escola. Para o filósofo, para lidar com a internet é essencial ter uma consciência crítica sobre a avalanche de dados despejados continuamente, e sem filtro, sobre as pessoas.
O pensamento do filósofo italiano surgiu muito antes do aparecimento da Inteligência Artificial. Hoje, com as diversas plataformas disponíveis, é possível ter acesso a informações customizadas, de acordo com o campo de interesse. É possível juntar, numa mesma pesquisa, tudo que estava espalhado em caixinhas distintas, e não resta dúvidas de que este potencial vai remodelar muitos aspectos da sociedade moderna. Até o Google já informou que sua lógica de busca será alterada.
A IA vai facilitar atividades mais complexas e criativas, nos ajudará a tomar decisões com base em experiências já conhecidas e testadas, influenciará o desenvolvimento de áreas como saúde e educação, e poderá até minimizar riscos em atividades perigosas para o homem. É uma tecnologia com potencial para revolucionar processos produtivos, e obviamente deverá melhorar as nossas vidas.
Na outra ponta, significa ampliar o risco de desemprego em atividades que podem ser facilmente automatizadas, abre espaço para maior desconfiança a respeito de questões éticas, situações que envolvem a privacidade e a direitos sobre a geração de conhecimento. Além disso, como ficam a segurança de dados e a possibilidade de uso malicioso da IA?
Para conter os perigos associados ao uso desenfreado da tecnologia é essencial a criação de um quadro regulatório robusto e abrangente para que a IA seja desenvolvida e utilizada de forma ética, segura e responsável. Com uma regulação cuidadosa podemos maximizar os benefícios e minimizar seus riscos.
Mas o mais urgente, na minha opinião, é saber como evitar a crescente dependência dos sistemas digitais em detrimento do uso das habilidades naturais e do conhecimento tradicional. A questão que levanto é sobre a possibilidade de a Inteligência Artificial ser um meio para pasteurizar o pensamento e a criatividade das pessoas. Que efeitos a tecnologia terá sobre a inteligência humana?
Cabe a cada um de nós controlar a interferência da IA nas nossas vidas, porque a tecnologia pode tanto enriquecer quanto limitar o raciocínio individual. Conforme defendia Umberto Eco, é necessário manter uma abordagem crítica sobre as coisas virtuais, e deixar a mente aberta para diferentes perspectivas. Na minha ótica, o determinante é que sejamos inspirados e não influenciados pelos algoritmos.
A Inteligência Artificial não pode ser um mecanismo para eliminar o esforço natural exigido no processo criativo e no desenvolvimento intelectual. Não podemos virar reféns das máquinas e nem nos contentar com aquilo que o cérebro virtual entrega. Lembremos do ensinamento de René Descartes, pai da filosofia moderna, que já dizia, há mais de três séculos, que a única certeza verdadeira é a dúvida, e que ao duvidar de algo a gente pensa, e quando pensa existe! (Foto: Divulgação)
Luiz Claudio Romanelli é advogado especialista em gestão urbana e deputado estadual pelo PSD do Paraná