O risco da sujeição do presidente do BC ao presidente da República
Ives Gandra da Silva Martins
O Banco Central decidiu, por cinco votos a quatro, reduzir os juros Selic na base de 0,25 ponto, e não 0,50 como queriam quatro daqueles membros do Copom ligados ao presidente Lula.
Quero trazer aos leitores uma explicação muito simples do controle da inflação. O mundo inteiro e todos os economistas de todos os países sabem que se controla a inflação, fundamentalmente, através de política monetária, isto é, com utilização dos juros, e através de contas públicas em controle, não geradora de déficits que, sendo bem administrados, permitem o equilíbrio da multiplicada política financeira e da política monetária.
À evidência, a fórmula que Galbraith considerada ideal e criada por Fisher, no início do século passado, reside na equação. O nível dos preços será estável se a velocidade da circulação da moeda permanecer estável.
O ex-ministro Paulo Guedes (governo anterior), que Roberto Campos, o avô, considerava um dos melhores economistas brasileiros, segundo o que me disse, controlou as contas públicas com tranquilidade.
O presidente Lula gasta de uma forma absurda, incoerente, incorreta e, de acordo com a Folha de S. Paulo, aventureira (13/05/2024 - Editorial - pág. 2). Todos os economistas que escrevem nos jornais mais importantes de São Paulo têm criticado essa capacidade aleatória, sem definições e sem planejamento, de gastos do presidente da República. Não sou eu quem digo. São economistas de jornais do porte do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo.
Não houve política orçamentária porque tivemos um déficit no primeiro ano do governo Lula no montante de 270 e poucos bilhões de reais, não por conta dos precatórios, que foram apenas de 90 bilhões de reais. Temos, pois, no País, somente política monetária para combater a inflação.
Reconheço que o ministro Fernando Haddad tem se esforçado para controlar as finanças. Foi um erro, entretanto, eliminar o teto de gastos, que proibia que o governo gastasse se não tivesse dinheiro. Mesmo assim, ele tentou um arcabouço fiscal para conciliar a capacidade de gastar sem definição de receitas e a necessidade de lutar pelo equilíbrio das contas públicas. Nisso foi até desautorizado pelo presidente da República. E, hoje, o arcabouço deságua por todos os lados.
Mas o certo é que nós não temos política fiscal. O presidente continua gastando. As previsões de um déficit zero para 2025 já estão praticamente esgarçadas. E só resta a política monetária que, se por um lado tem que ser mais dura pela falta de controle que as finanças públicas enfrentam por outros problemas, como o fato de nos Estados Unidos os juros estarem sendo mantidos na base de 5,5% em dólares, o que, na prática, representa que há uma tendência universal de ao invés de se aplicar dinheiro no Brasil, aplicar-se dinheiro lá fora. À falta de recursos, portanto, de fora e dos gastos que superam sua capacidade de arrecadação, o Brasil vai se endividando. Por isso temos crescido, mês após mês, em endividamento público.
Essa é a razão pela qual cinco dos membros do Copom entenderam que não era o momento de se reduzir os juros, visto que o governo só conta com a política do Banco Central para controlar a inflação, já que não há um controle de gastos. Os economistas têm, pois, grande receio de que as contas públicas continuarão a despencar.
O que preocupa - é isso que gostaria de trazer aos leitores - é que para os cinco dirigentes do Copom que votaram pelo 0,25, com moderação na redução em face desses elementos preocupantes, tiveram quatro votos contrários, daqueles que foram indicados pelo presidente Lula. O que vale dizer: a expectativa de gasto por parte do governo que levaria uma redução menor não foi compreendida pelos membros indicados pelo presidente da República.
Ressalto que no fim deste ano teremos um novo presidente do Banco Central. Possivelmente, será um desses quatro que queriam uma redução maior de juros para diminuir a força da política monetária, apesar de não ter força nenhuma na política orçamentária.
Isso causa perplexidade, e não sem razão estamos vendo a popularidade do presidente Lula cair. A preocupação de analistas brasileiros e do exterior é de que corremos o risco de não ter condições de melhorar nosso desenvolvimento, mas mais do que isso, infelizmente devemos piorar.
Se vier um presidente que resolva não dar a independência que o Banco Central deveria ter em relação ao Poder Executivo para garantir uma política monetária, na falta de política orçamentária, e se tivermos um presidente do Banco Central submetido ao presidente da República, não adotando o comportamento dos bancos centrais de todo o mundo - como ocorre, por exemplo, com o presidente do Banco Central do Sistema da Reserva Federal americana que age para controlar a inflação -, corremos o risco de não termos nem política financeira, nem política monetária. (Foto: Divulgação)
Ives Gandra da Silva Martins é jurista e professor universitário