Uma tragédia nacional
Editorial Estadão
Há muito que a cada divulgação de novas estatísticas sobre a criminalidade fica mais evidente a piora constante da dramática situação vivida pelo País nesse setor de importância vital para a população. Dessa vez são os dados - chocantes - referentes a 2017 levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O Brasil bateu um novo e triste recorde de mortes violentas intencionais, tais como as decorrentes de homicídios e latrocínios, para citar apenas dois exemplos: foram 63,9 mil, um crescimento de 2,9% em relação às 61,6 mil mortes de 2016. Esses números falam por si e fazem com que a utilização da palavra tragédia para resumi-los nada tenha de exagerada.
O trabalho do Fórum, o 12.º Anuário de Segurança Pública, diz que o número equivale a 175 mortes por dia ou 7 por hora. A taxa de mortes por 100 mil habitantes chegou a 30,8. Como foi possível chegar a esse cenário desolador é o que certamente pergunta a amedrontada população brasileira. Esse nível escandaloso de deterioração da segurança pública mostra que o País vive uma verdadeira guerra. O número de mortos se aproxima de fato daqueles registrados em alguns dos mais violentos conflitos armados, e num período menor.
A evolução das estatísticas não traz muita esperança. Em números absolutos - para ficar apenas nos anos mais recentes -, os mortos passaram de 50,1 mil em 2011 para 55,5 mil em 2012; 55,8 mil em 2013; 59,7 mil em 2014. Eles sofrem uma ligeira baixa em 2015, com 58,4 mil; voltam a subir em 2016 (61,6 mil) e chegam aos 63,8 mil em 2017. O único elemento positivo, se é que se pode dizer isso de um quadro tão assustador, é que a violência não é igualmente elevada nem apresenta a mesma evolução em todos os Estados.
A situação é particularmente grave em 12 Estados, que puxam mais para o alto a taxa nacional de criminalidade. A pior posição é do Rio Grande do Norte, com taxa de 68 mortos por 100 mil habitantes, seguido pelo Acre (63,9) e o Ceará (59,1). Entre as capitais, as taxas altas são de Rio Branco (83,7), Fortaleza (77,3) e Belém (67,5).
O sinal de esperança vem principalmente de São Paulo, que conseguiu forte redução da criminalidade nas últimas duas décadas, chegando em 2017 a uma taxa de 10,7 mortos por 100 mil habitantes, muito abaixo da média nacional de 30,8. A ele se juntam Santa Catarina (16,5) e Distrito Federal (18,2). Embora tenham ainda um bom caminho a percorrer para atingir os níveis de segurança pública dos países desenvolvidos, esses Estados demonstram que nem tudo está perdido, e sua experiência aponta aos outros o caminho a seguir.
Há outros aspectos do relatório que merecem atenção. O principal é o destaque ao papel do crime organizado no agravamento da situação, que fica evidente na disputa de poder entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que atuam dentro dos presídios, que controlam, e de onde comandam ações fora deles. Segundo o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, eles travam uma "guerra aberta", marcada por requintes de crueldade, pelo controle de territórios e dinheiro.
É preocupante também a constatação de que as mortes decorrentes de ações policiais aumentaram muito, 20%, entre 2016 e 2017, chegando a 5,1 mil neste último ano. No mesmo período, o número de policiais mortos, 367, teve queda de 4,9%. Esses dados sugerem deficiência de comando e despreparo dos agentes, que desacreditam a Polícia junto à população e prejudicam o seu trabalho.
Além da direção apontada por bons exemplos como o de São Paulo, a recente criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) indica que se esboça uma reação à escalada da violência. Se o Susp conseguir, como se propõe, integrar e coordenar a atuação das diversas forças policiais que atuam no País, criando as condições para a troca de informações entre elas - condições essenciais para melhorar seu desempenho -, esse será um avanço importante no combate à criminalidade. Logo se saberá se isso vai se tornar uma realidade.