O golpe está aí. Só não vê quem não quer... estudar
Alceu A. Sperança
Ao pedir anistia aos crimes cometidos em Brasília no 8 de janeiro de 2023, o ex-presidente Jair Bolsonaro confrontou sua biografia de hostilidade à anistia e apoio à repressão aos insurgentes contra o governo.
O pedido é esperto, embora seja também uma confissão de que houve a tentativa de seus adeptos de golpear as instituições. Uma trama infantil que envolveu civis e militares iludidos pelo autoengano, que vem da confiança em crenças mágicas.
O crente em magia acredita que as forças da natureza obedecem às suas vontades. Basta gritar uma prece, tal como "ó, mar, eu te ordeno que pare o tsunami", mas só na cabeça maluca do iludido o mar, obedientemente, reflui.
Como se deuses, anjos ou santos fossem garçons sempre à disposição para obedecer às ordens daqueles que os invocam para engabelar os crédulos.
O golpe, nesse caso, veio da fé cega e confiante em que a vontade do crente será obedecida do alto, por ETs, tropas estrangeiras ou a aniquilação dos descrentes por um improvável fogo apocalíptico.
Viva a polarização!
A polarização entre lulistas e antilulistas é burra, porque se reduz geralmente a trocas de insultos entre boquirrotos mal-educados. A educação é o fundo do problema: ela falta nos dois lados.
No entanto, olhando por trás das grosserias e falta de respeito mútuo, a polarização é inevitável. Nada a ver com Lula ou Bolsonaro, que logo passarão, mas com a dialética.
O golpe não venceu, mas foi planejado por quatro anos e ainda está em andamento porque a polarização continuará a produzir efeitos.
A polarização, a luta entre contrários, por mais burra e odienta que pareça, é reflexo, embora sujo e deselegante, da verdade social.
Quem estuda profundamente a realidade aprende que a luta entre os contrários é o motor do desenvolvimento. É a força que produz a história.
Por isso, um golpe foi realmente preparado e só baldou ao esbarrar na burrice dos executores, que produziram provas contra si próprios nos grupos sociais.
Ingenuidade supor que não iam dar na vista núcleos de contrainformação (fake news), acampamentos para induzir os soldados a trair a honra de seu juramento, pressão ofensiva sobre comandantes militares, ameaças de morte a juízes etc.
Errado desde o começo
O golpe de Estado planejado por anos e executado no dia 8 de janeiro foi derrotado pela incompetência dos executores.
Mas, olha aí a síntese: devido a esse processo de luta entre contrários. o país ficou melhor do que estava antes. De agora em diante nunca mais alguém se atreverá a pressionar os militares com a lorota de que se desonrar golpeando as instituições é "patriotismo".
Muitos não acharão grande coisa na vitória das instituições, pois as eleições, seu mais elevado altar, estão viciadas na origem. Os que se elegeram com as mamatas do Mensalão e Petrolão foram beneficiários de crimes, assim como seus partidos.
Não houve punição a quem venceu eleições com dinheiro público surripiado e privado sujo. Com isso, as eleições dão a cada dois anos uma imensa maioria ao Centrão.
Não adianta gritar "Pega Centrão", general Heleno: foi o Centrão que nos pegou. Com a vitória do Centrão no Parlamento, este conseguiu se equilibrar com a força das canetadas do Executivo e o peso da Justiça.
Peso! A grande vitória, arrasadora, acachapante, foi do sistema de pesos e contrapesos da Carta de 1988, a joia da coroa do Centrão.
Logo, presidentes não mandam mais no Brasil: fazem muita propaganda, mas apurando bem eles só viajam representando a nação, enquanto tudo o mais é decidido entre os técnicos do governo, os parlamentares do Centrão e os juízes de plantão.
Burrice é só uma palavra para falta de educação
Então se conclui que o golpe ainda está aí, bem escancarado, ainda em meio à coleta de provas, e só não o vê quem não tem educação suficiente.
Pouco enxerga quem não estuda e prefere acreditar em narrativas, versões, pegadinhas de Zap e pensamento mágico, absurdo que transforma deuses e anjos em serviçais de malandros gritalhões.
Menos vê quem não estuda a dialética, pela qual se aprende que a luta entre contrários é o motor da história.
Na luta entre as forças do saber e da ignorância, a burrice ainda vence e sua vitória resulta no atraso relativo, na improdutividade e até em piora na segurança pública, pois há um apagão de policiais no país.
O Fórum de Segurança Pública mostrou que o policiamento ostensivo caiu de 434,5 mil agentes em 2013 para 404,8 mil no ano passado e a Polícia Civil está 36% menor do que o necessário. Como evitar que os bandidos façam a festa?
Desta vez, sem ultra-brilhantismo...
O golpe a vencer também está na omissão do Estado em planejar, receita vencedora da Coreia. Não é o tal Estado mínimo, é o Estado burro. O analfabetismo funcional do grosso da população se juntando à crença bestificante no pensamento mágico.
Este despreza o árduo esforço de aprender e o substitui pela crença de que basta pedir ao universo e ele, como um gênio escravo saído da lâmpada de Aladim, atenderá a todos os desejos do desejador analfabeto.
Nem Lula, nem Bolsonaro são burros, como seus detratores propagam. Lula espertamente se mandelizou com a cadeia e voltou ao poder por ter sido preso injustamente.
Abraçar a causa da anistia é uma prova de inteligência de Bolsonaro para tentar se livrar do óbvio: o destino dos conspiradores apanhados com a mão na massa é sempre a cadeia ou coisa ultra-brilhantemente pior.
Os melhores brasileiros já defenderam a anistia. Anistia significa superar uma etapa de inimizades e iniciar um ciclo de união de forças. A síntese que vem da luta dos contrários. Se consegui-la, a vitória de Bolsonaro será ainda maior que a espetacular volta por cima de Lula.
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br