O ocaso da Unasul
Editorial Estadão
Três dias após tomar posse, o presidente Iván Duque cumpriu uma de suas promessas de campanha e anunciou a saída da Colômbia da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). A entidade, segundo ele, seria "cúmplice da ditadura venezuelana".
De fato, malgrado a severa crise social e econômica e o recrudescimento da repressão policial e das milícias ligadas ao governo de Nicolás Maduro contra opositores, nenhuma palavra de condenação mais enérgica foi ouvida por parte da Unasul, exceto manifestações protocolares, sem efeitos práticos. Condenações mais duras partiram de alguns dos países que a compõem. E só.
O anúncio da retirada da Colômbia da Unasul, "uma decisão política irreversível", nas palavras de Carlos Trujillo, ministro das Relações Exteriores do país, é mais um duro golpe na organização internacional que nasceu sob os auspícios dos governos populistas que ascenderam ao poder na América do Sul no primeiro decênio dos anos 2000.
A Unasul foi concebida pelo coronel Hugo Chávez para ser uma espécie de contraponto à suposta influência do governo dos Estados Unidos na região por meio da Organização dos Estados Americanos (OEA). O falecido líder venezuelano pretendia ter uma organização internacional que pudesse chamar de sua e controlar de acordo com seus interesses e os de seus aliados, entre eles o Brasil então governado pelo ex-presidente Lula da Silva.
O País é uma das doze nações que compõem a Unasul - junto com Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela - e apoiou enfaticamente a criação do bloco. O processo de negociação e assinatura do tratado constitutivo da Unasul ocorreu durante o segundo mandato de Lula da Silva; o início da vigência, no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff, em 2011.
A criação da Unasul refletia o ideal de confrontação com os "ianques" típico de uma política externa anacrônica. Seu ocaso pode ser visto como um dos mais eloquentes indicadores do declínio do apelo populista no continente, notadamente nos países com as economias mais robustas, como Brasil, Argentina e Colômbia.
Em abril deste ano, metade dos países constituintes do bloco - Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai - enviou uma carta ao governo da Bolívia, que exerce a presidência pro tempore da Unasul, comunicando a suspensão de suas atividades na organização por tempo indeterminado. A carta foi uma dura manifestação do grupo de países insatisfeitos com os rumos adotados pela entidade, sobretudo após a cassação de Dilma Rousseff. O então secretário-geral da Unasul, o ex-presidente colombiano Ernesto Samper, ameaçou aplicar a cláusula democrática da entidade contra o Brasil, uma absurda ofensa às instituições do País, como se aqui, de fato, tivesse havido o "golpe" que povoa as mentes dos teóricos da conspiração.
Para o lugar de Samper, a Argentina indicou o ex-governador da província de Mendoza José Octavio Bordón, que também foi embaixador nos Estados Unidos. No entanto, a indicação foi vetada pela Venezuela sob a alegação de que apenas presidentes e chanceleres poderiam ocupar o cargo.
O impasse político levou à paralisação das atividades da Unasul, que pouco a pouco vem perdendo relevância e, em consequência, apoio financeiro. A crise econômica da entidade é de tal ordem que ela corre o risco de perder seu opulento edifício-sede, em Quito, capital do Equador.
Carlos Trujillo, chanceler da Colômbia, disse estar em contato com seus pares do Chile, Peru e Argentina para obter apoio à decisão de seu país de abandonar o bloco, mas não revelou detalhes desta rodada de conversações. Caso venha a ser confirmada a adesão desses países à decisão colombiana, o pouco de representatividade que ainda resta à Unasul irá se esvair. Não é improvável que o Brasil também adote caminho semelhante. Isso dependerá do resultado da eleição presidencial de outubro. A ameaça populista existe e precisa ser derrotada.