Desculpe, Sr. Presidente, mas V. Excia. já era
Alceu A. Sperança
O presidencialismo é uma instituição falida. Presidentes dando sinais de desequilíbrio mental e praticando ações que pioram a situação de seus povos se multiplicam pelo mundo.
Os feitos mais visíveis de presidentes, ultimamente, foi que se esquivaram em bloco de compromissos sérios na Cop28. Já o encontro entre presidentes da Guiana e da Venezuela acabou com a declaração cordial de que nada resolveram.
Os presidentes que dão sinais de loucura costumam ser amados por uma claque artificial armada pela publicidade. O homem endoidou, mas a custosa máquina oficial de propaganda transforma o estúpido em sábio.
Até a loucura ser tão grande que sequer as luzes do marketing conseguirão mais esconder a estupidez que só a oposição é capaz de perceber.
Além dos loucos, há os ocos: presidentes muito amados, espertos que eventualmente se fingem de malucos. São os que se elegem prometendo o oposto do que vão realmente fazer.
Tipo Fernando Collor, que acusava Lula de querer tomar a poupança das viúvas, ideia que achou tão boa que ele mesmo foi lá e tirou.
E o clown Milei, na Argentina? Falava grosso contra a China, que ele julga ser "comunista", e depois de eleito se ajoelhou pedindo dinheiro ao presidente chinês, Xi Jinping, nada a ver com comunismo, competente gestor do capitalismo de Estado oriental.
Só gente estúpida consegue ver "comunismo" em algum lugar. Achar que Flávio Dino é "comunista", por exemplo, é ignorância: não saber nada sobre a história do coronelismo semifeudal nordestino.
Governança comunista não existe nem jamais houve em lugar algum do universo, pois, grosseiramente descrevendo, só poderia haver comunismo com a extinção dos estados nacionais e o fim das classes sociais antagônicas, ou seja, quando (ou se) a pobreza desaparecer.
Não cumpre e não é punido
Na campanha eleitoral pseudodemocrática, o presidente oco chama o nepotismo de coisa do diabo. No cargo, acende velas a Satanás, nomeando parentes e sócios.
Diz que é a favor da liberdade, mas a verdadeira intenção do oco é tolher a lei, que pune os excessos criminosos cometidos. O oco diz que vai equilibrar as contas da nação, mas advoga o endividamento como forma de ter fortunas orçamentárias para manipular.
Os ocos nunca são punidos por perjúrio, safadeza nem incompetência, porque essa é a regra elementar do jogo pseudodemocrático.
Por isso, desculpe-me, Sr. Presidente, mas V.Excia. já era. Não por você especificamente, que pode até ter a vontade de cumprir o que prometeu, mas por não renunciar ao perceber que não vai cumprir o que prometeu.
Não que você seja incapaz ou incompetente, mas porque a instituição não é funcional. Você já era porque a instituição presidencialista já era.
A grande novidade no Brasil não é um suposto governo Lula 3, nada a ver com os Lulas 1 e 2 nem com os Dilma 1 e 2.
O suposto Lula 3 é o oco total. Nada além de uma armação negociada entre o STF e o Centrão, intermediado pelos presidentes das duas casas do Congresso, para pôr uma focinheira, com o devido respeito, no presidente de plantão.
Fizeram isso com Bolsonaro porque saiu dos limites e fazem também com Lula para que não saia deles. Chamam isso de semipresidencialismo.
Barbies arrogantes
Na realidade, presidentes sempre são uma espécie de boneca Barbie, com toda uma história construída pela publicidade.
No sistema presidencialista, a Barbie prevalece, fica mais saliente no noticiário. No parlamentarismo fica mais visível que presidentes, como os bonecos, são vazios e não resolvem nada. O oco total.
Tudo que os apoiadores, mídia, marqueteiros e lambe-botas afirmam que os ocos decidiram ou resolveram não passa de acordos combinados longe das vistas da imprensa e do público.
O que mais se percebe, no mundo todo, são presidentes ocos e fracassados que para se esquivar põem a culpa em terceiros, nunca reconhecendo erros nem derrotas. Os piores reclamam que "pobre só sabe fazer filho e reclamar".
A primeira parte dessa desculpa é cínica. Quem defende a família e seus valores não tem moral para condenar as numerosas famílias dos pobres e suas quantidades.
Até porque, sejamos sérios e bem-informados, nunca antes na história do mundo foi tão necessário ter filhos.
Em um evento do Wall Street Journal, Elon Musk (Tesla/SpaceX), afirmou: "Não há gente o suficiente" no mercado. Isso porque as taxas de natalidade estão baixas e em queda, e isso é "um dos maiores riscos para a civilização".
Filhos, trate de tê-los!
A Prefeitura de Panzhihua, no Oeste da China, anunciou que vai oferecer 500 yuans (R$ 393) mensais às famílias que decidam ter um 2º ou 3º filho.
É uma política para conter o rápido envelhecimento em cenário de taxas de natalidade em queda no país, fator que ameaça o crescimento econômico. A economia precisa de gente jovem e saudável aos montes.
De acordo com o censo de 2020, a taxa de fertilidade na China caiu para 1,3 filho por mulher - abaixo dos 2,1 necessários para manter a população estável.
Quando você menos esperar, ao ficar velho, em 20, 30 anos, passará os cansados olhos pelas multidões e de repente vai perceber que não vê crianças e jovens.
Hoje, no Brasil, 19 crianças e adolescentes são mortos por dia em ações violentas, segundo a Unicef. Muitas que sobrevivem se envenenam com açúcar e gorduras, muitos jovens que escapam das balas e do trânsito sucumbem a drogas, fumaças e álcool.
Os que sobrevivem, estudam e se formam já estão fazendo as malas: de acordo com a Fragomen, maior empresa de imigração do mundo, no primeiro semestre de 2023, o país que mais emitiu vistos de trabalho, estudo e negócios para brasileiros foi a China, com alta de 321%.
A China, que nunca teve nada de comunista, compra gente nossa com... capitalismo! Só bestas completas acham que existe "comunismo" em algum lugar deste mundo, sr. Presidente.
No mais, nunca foi tão justo, necessário e democrático reclamar, reclamar e reclamar. Reclamar é um direito. É loucura reclamar de quem reclama. (Ilustração: Mescla)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br