Dando milho aos tongos
Alceu A. Sperança
Quebrando recordes, o agro brasileiro não chegou a esse nível sem escalar décadas de lutas. Em Cascavel, começou com a criação da Sociedade Rural, em 1953, como historiado no livro "Sindicato Rural de Cascavel: Uma história de paz, produção e progresso".
Um novo marco, de grande impacto, acaba de ser apontado no portal Bloomberg News pelos jornalistas Michael Hirtzer e Dominic Carey: The US Is Losing the Corn-Exporting Crown (Os EUA estão perdendo a coroa exportadora de milho).
No ano agrícola encerrado em 31 de agosto, escrevem, os Estados Unidos entregaram a coroa exportadora de milho ao Brasil e podem nunca mais a recuperar.
Na colheita de 2023, os agricultores gringos entregaram 23% das exportações globais de milho, bem abaixo dos quase 32% vendidos pelos brasileiros, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.
Com a polarização eleitoral, metade dos brasileiros barulhentos torce contra o país e a outra metade a favor de seu "mito". Deu-se que quem torceu contra Bolsonaro fez do improvável um eleito. E quem torceu contra Lula fez do derrotado um vencedor.
Como sabem os torcedores de futebol, torcer é inútil. Só ajuda realmente o clube quem compra camisetas oficiais e ingressos, mas nem isso altera o placar de cada jogo.
Os dois perdendo
Muita gente na China torce contra os EUA e nos EUA há torcida contra a China. Qual poderia ser o resultado desse jogo? A essa altura do campeonato, os dois estão perdendo - e perdendo para si mesmos.
Um dos caras mais espertos de todas as salas onde se ganha dinheiro, o bilionário investidor estadunidense Stan Druckenmiller declarou há pouco, em uma conferência justamente sobre investimentos, que a economia de seu país está à beira de um pouso forçado:
- ¬É simplesmente ingênuo não ter a mente aberta para algo muito, muito ruim acontecendo.
Muito, muito ruim é também o que ocorre na China, a julgar pelo que disse o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, ao descrever os EUA à beira do caos com a dívida pública astronômica e a China revisando seu crescimento para baixo devido à forte queda no mercado imobiliário.
Seria simplesmente ingênuo achar que a dupla desgraça prestes a engolir EUA e China não vai afetar o Brasil.
Historicamente, como se viu no crack da Bolsa, em 1929, sempre que os EUA espirram o Brasil é um dos primeiros a pegar a gripe. Hoje, quando a China é o maior cliente do nosso agro, o espirro da China também dá tosses por aqui.
No caso do milho, porém, não é um caso de inútil torcida contra ou a favor, mas de bola na rede. A coroa do milho é do Brasil, zil, zil.
Entre os dez maiores, mas abaixo de 59
Antes que o presidente-palhaço Volodymyr Zelensky assumisse o governo da Ucrânia e que o ETmaníaco Vladimir Putin mandasse invadi-la, o agro ucraniano levou décadas para produzir 50 milhões de toneladas.
Mesmo volume que o Brasil conseguiu nos dois últimos anos, diz Alexandre Mendonça de Barros, especialista em agronegócios e professor da FGV. Mais uma coroa para o Brasil, portanto.
Barros se orgulha, por exemplo, do exército de vespas treinadas para combater a broca. Distribuídas por drones, elas ocupam rapidamente um canavial e liquidam o inimigo.
Enquanto as bolhas "ideológicas" xingam e ofendem, só acumulando derrotas na vida, na política e na polícia, o exército de vespas vai lá e resolve o problema. Só que o agro brasileiro vai bem e a economia vibra, mas a educação vai mal.
O país participou pela primeira vez da avaliação internacional de alfabetização Pirls (Progress in International Reading Literacy Study) em 2021 e ficou à frente apenas de cinco dos 65 países avaliados. É uma das dez maiores economias do mundo, mas fica na rabeira dos 60 mais em alfabetização.
Umberto Eco dizia, em seu tempo, que as redes sociais "dão o direito de falar a uma legião de idiotas". "É a invasão dos imbecis", disse ele ao jornal La Stampa.
Foi possível notar isso no atual governo paulista. Livros didáticos com informações desnecessárias e falsas desmoralizaram logo de cara a gestão de Tarcísio de Freitas.
Ele se tornara uma celebridade nacional depois de ser levado ao Dnit por Dilma Rousseff e em seguida feito ministro de Jair Bolsonaro, disparando à frente como opção para a Presidência. Até cair na armadilha da ignorância de sua péssima assessoria.
Duas joias: um nordestino e um sulista
As besteiras dos comandantes da educação paulista, porém, estão em linha com a burrice geral do país.
Quem perde tempo nas redes sociais bolhadas assiste a um batalhão de doutores cometendo grosseiros erros a cada comentário. Xingam e ofendem com maestria, mas ao escrever autodenunciam um trágico analfabetismo funcional.
Mas, yes, olha o copo meio cheio: temos cientistas à altura do nosso milho. O prestigioso site acadêmico Research.com divulgou o ranking dos melhores pesquisadores de diversas áreas do conhecimento com muitos brasileiros na lista.
Há também dois brasileiros no ranking Best Rising Stars of Science (Melhores Estrelas em Ascensão da Ciência), um do Nordeste e outro do Sul: José C. S. dos Santos, da Universidade Federal do Ceará, 1º no país e 230º no mundo, e Felipe Barreto Schuch, da Universidade Federal de Santa Maria (2º no país e 363º no mundo).
Bate uma enorme tentação de dizer, em puríssimo analfabetês funcionalês, que somos milhores que os EUA, por conta do milho.
Entretanto, não reconhecer nossas debilidades, sempre à espera de que os líderes políticos vendam joias para vencer a pobreza, como prometeu o derrubado Pedro II e tentou desastradamente o vencido Jair Bolsonaro, seria simplesmente ingênuo.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br