Júlio Fernandes queria um jornal equilibrado. Conseguiu?
Alceu A. Sperança
Certa noite de 2017, em animada reunião na Associação dos Jornalistas de Cascavel, Júlio César Fernandes contou que tinha um jornal semanário - o Paraná Oeste.
Era um jornal conservador, sem ser da direita raivosa. Júlio, porém, queria algum equilíbrio nas edições, apresentando também olhares de centro e de esquerda.
O editor queria que eu abordasse em artigos o ângulo da esquerda. Mas, ao analisar o segmento de leitores do jornal, verifiquei que eles não queriam nada realmente de esquerda, que exigiria textos longos.
O que estava realmente faltando ao jornal era um ângulo liberal-progressista.
Passei a escrever imediatamente e sem fugir ao propósito inicial, todos os artigos escritos para o jornal de Fernandes tiveram somente esse deliberado viés liberal-progressista, algo levemente rosado na ideologia das cores, para não confrontar o público-alvo do jornal.
Arapuca desinformativa
Se alguma ideia exposta nos artigos publicados pareceu "esquerda" é porque apenas um número muito pequeno de pessoas que leem jornais - e quase ninguém os lia quando a ingenuidade geral fazia as pessoas se fiar na arapuca desinformativa das redes sociais - têm alguma ideia concreta do que seja "esquerda" de fato.
Esquerda, a rigor, é anticapitalista. Para muitos leitores conservadores, textos liberais-progressistas, embora sem pôr em xeque o capitalismo, não passam de "comunismo" disfarçado...
Seja lá o que eles entendam como sendo "comunismo", que é impossível existir enquanto houver capitalismo, é fácil notar na leitura a seguir que foram apenas textos liberais.
A verdade é que não há como disfarçar como existente o que não existe. O diabo costuma aparecer só aos que acreditam nele.
Este livro, homenagem ao editor que morreu em setembro de 2020, traz alguns daqueles textos. O leitor verá claramente que neles não há nada realmente de "esquerda" nem tentativas de disfarçar coisa alguma invisível aos olhos.
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Esta é a apresentação de um livro-homenagem ao jornalista Júlio Fernandes reunindo alguns dos meus textos, que ele publicou sempre na íntegra, até porque eram tão curtos que se fossem cortados virariam telegramas...
No mais, para quem exige definições mais completas, só poderia haver "comunismo" com a extinção do Estado, possibilidade impraticável nas atuais condições do mundo, em estados de guerra nos quais o Estado se fortalece ainda mais.
A superação do Estado somente será possível se a Inteligência Artificial tomar conta do planeta em um formidável golpe incruento, decretando que a humanidade não soube fazer da Terra um lugar decente e mostrando o que George Orwell realmente quis dizer em 1984.
O livro é intitulado Júlio Fernandes e o projeto de um jornal equilibrado.
A seguir, alguns textos que fazem parte do livro:
Jovens mortos e mães castradas
A Coreia do Sul sonha com a unificação à do Norte. Uma razão importante é a preocupação com a taxa de natalidade declinante no Sul, mas ainda elevada ao Norte.
Apesar dos robôs que saem das fábricas, cabeças jovens para pensar e trabalhar são os sonhos humanistas das autoridades coreanas.
Cabeças e braços que não surgem em linhas de montagem: requerem o amor dos pais, cuidados no lar e um Estado eficiente para cuidar de todos.
No Brasil, é uma tragédia tristíssima a enorme quantidade de cabeças jovens e braços fortes que o Brasil perde sem esses cuidados tão necessários.
Pior: há matança de jovens e partidários da esterilização feminina em massa para que menos crianças e jovens brasileiros venham pensar e trabalhar no futuro.
Seremos um país envelhecido
Uma imensa massa de prejudicados em suas aposentadorias e jovens abatidos, perdemos os benefícios do bônus demográfico, já em vias de esgotamento.
Como "bandido bom é bandido morto", melhor que nem nasça: castrem as mulheres pobres!
Sem nascer, não chegam à juventude. Nascendo sem educação, viram jovens, caem nos braços do tráfico, são chamados de "bandidos" e executados.
Meu filho, meu dinheiro
A mortandade de jovens e a desumana esterilização feminina são dois aspectos violentos da loucura que toma conta do Brasil, cujas autoridades são incapazes de gestar soluções.
É loucura o Brasil perder cerca de R$ 550 mil a cada assassinato de jovem entre 13 e 25 anos: em 20 anos, segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos, a nação teve um prejuízo acumulado superior a R$ 450 bilhões.
É incalculável a fortuna que se perderá com jovens assassinados e mães com os úteros ameaçados de criminosa esterilização.
No fundo, estamos mais divididos que as Coreias.
Consequências de maus governos são duradouras
Desemprego, violência, ódio, desigualdade.
Diferentes olhares terão versões diversas sobre o que há de pior na crise brasileira, que alguns minguados indicadores atestam fora da recessão, façanha que exigiu altíssimo custo social.
Esses problemas, entretanto, são apenas sinais da grande tragédia brasileira - as deficiências no aprendizado, consequências da elevada evasão escolar no ensino fundamental.
Recente estudo apontou que uma em cada quatro crianças não concluiu o ensino fundamental entre fins dos anos 1990 e o Censo de 2010, na média de um milhão por ano.
Crianças que agora são jovens e adultos sem que tenhamos as mais remotas estatísticas relatando as dificuldades que enfrentaram de lá para cá.
A não ser que os sinais assustadores de violência crescente e desigualdade renitente sussurrem algo a quem quiser ouvir.
Burrice planejada pelo alto
"O grau de analfabetismo imposto por Portugal ao Brasil foi uma coisa absurda", escreveu Jorge Caldeira em História da Riqueza no Brasil.
"Foi uma das mais bárbaras políticas desse tipo jamais adotadas por qualquer nação colonizadora".
Foi um ato de governo.
Dele concluímos que as consequências de um mau governo não se apagam facilmente, sobretudo quando uma elite insensível governa uma nação com ditaduras sucessivas que só fazem manter, quando não ampliar, a desigualdade.
Até a aversão à leitura que aflige os brasileiros analfabetos funcionais tem antecedentes históricos:
"Nós não tínhamos uma tipografia no país até 1808, sendo que elas já existiam na América hispânica desde 1530", arremata Caldeira.
A desculpa "não gosto de ler" em geral oculta o fato de que a pessoa não saber ler direito e/ou não entende direito o que lê.
Isso tem causa e gera consequências.
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Apanhe o livro (mas o autor não precisa apanhar) neste link: https://x.gd/zzlnj
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista