A loucura dos grandes afunda os pequenos
Alceu A. Sperança
Shakespeare fez notar, na peça Hamlet, que os grandes homens das finanças e da política são no geral figuras patéticas e quase desumanas - literalmente, escreveu, "a loucura dos grandes deve ser vigiada". Ou, em tradução alternativa, "da loucura dos grandes não se pode descuidar".
Uma teoria da conspiração dirá que forças ocultas enlouquecem os líderes da humanidade para fazê-la desacreditar de sua própria capacidade de escolha e transferir as decisões à Inteligência Artificial, a nova deusa do pedaço - teoria que por sua vez também tem sua própria loucura implícita.
Mas quando homens que poderiam curtir a vida com suas fortunas se entregam à morte num ovo de metal que explode na imensidão marinha não precisa ser artificialmente inteligente perguntar se não teriam mais satisfação distribuindo com seu poder e fortuna a felicidade a muitos semelhantes que sofrem.
Onde a inteligência parece falhar mais que a fé aparece quando os líderes, eleitos ou não, promovem guerras nas quais morrem só jovens cheios de vida e sonhos e não os omissos, covardes e desiludidos da vida que se arrastam como zumbis agredindo os cérebros alheios.
Além da loucura, que não é pouca nesse caso, os EUA destinaram meros 500 milhões de dólares para a salvação da Amazônia, ou seja, para salvar a humanidade do apocalipse climático, e torram cerca de US$ 80 bilhões na guerra na Ucrânia, que se levada ao limite dará em apocalipse nuclear.
Vovó não apertará o botão do Apocalipse
Além da loucura ser grande e dela não podermos duvidar, os vexames diários do presidente Joe Biden até atraem simpatia, por lembrar o caso de Alzheimer da vovó, mas assustam quando vêm de um líder mundial com o poder de devastar a Terra com um aperto de botão.
Ao dizer que a Rússia "está perdendo a guerra no Iraque", Biden não é só digno de pena, mas de interdição, pois não estará livre de em um de seus escorregões frequentes apertar sem querer o tal botão do apocalipse nuclear.
Ainda sobra o caso do balão chinês, esfacelado com midiática arrogância pelos EUA, que ao investigar os destroços descobriram que nele só havia equipamentos americanos, sem nenhuma coleta de dados para espionagem externa.
Sem a menor pena deve ser encarada a disputa violenta, em ringue, entre os poderosos chefes da tecnologia mundial. É muito louco pensar que Elon Musk desafiou Mark Zuckerberg para um duelo em ringue, mas consola a ideia de que ambos sairão do octógono bem machucados.
Para o melhor, talvez consigam despertar da insanidade depois de um balde de água fria para que o cansaço traga a reflexão sobre a estupidez vergonhosa da molecagem violenta.
Há pouco, veio a público o livro Ignorância: Uma História Global, de Peter Burke, que põe a nu as imposições desastradas de líderes políticos e religiosos, produzidas pela ignorância, esta, por seu turno, alimentada por crenças sem sentido.
Uma dessas crenças, entre disparates religiosos e geográficos, era que fora do Império Romano havia seres humanos com cabeça de cão (cinocéfalos), com um só pé, como o nosso popular Saci (ciápodes) e com cabeças de variados tamanhos (biêmios).
Minions: basta crer e confiar
Ficou muito na moda recentemente bancar o mínion, o pequenino personagem da Pixar. Significa, na prática, a desastrosa escolha de amar ingenuamente um malvadão.
Alguns de nós morreram de amores por Stálin, como se deu com Jorge Amado. A carga de simpatia acumulada por Stálin foram as vitórias extraordinárias do Exército Vermelho, que ao ocupar Berlim cortou a cabeça da serpente nazista.
Era um capital político que jamais deveria ser desperdiçado, mas foi. No Brasil há políticos de grande popularidade que vencem eleições presidenciais e um mês depois da posse já dissiparam todo o imenso capital político que a vitória nas urnas conferiu.
Um malvadão que até valeu a pena apostar fichas foi Richard Nixon. Ele esteve a um passo de inaugurar um mundo sem horrores quando celebrou as pazes com outro malvadão que jogou fora todo o capital político acumulado com a vitórias na Revolução Chinesa de 1949: Mao Tsé-Tung.
O entendimento que Nixon celebrou com a China em 1975 abriu caminho ao distanciamento entre a China e a Rússia, que desperdiçou o poder de uma união acima dos melindres para manter os EUA mansinhos no quintal da Otan.
Veja o fervo da Otan, hoje, queimando cucas na tentativa de evitar que a Ucrânia sucumba ou ao nazismo interno ou à Rússia externa.
O cara mais esperto que a direita já teve, Nixon enfraqueceu a Rússia mais que toda a oposição anti-Stálin, vitoriosa em 1956, para decepção de Amado.
A burrice natural pôs Nixon a perder
Fortalecer a China favoreceu aos EUA assumir o poder mundial e a história poderia ter acabado ali, pois tudo ia mais ou menos ajambrado até a direita mais burra do mundo enredar o astuto Nixon e fazer dele um Gru liquidado pelos próprios mínions no Caso Watergate.
Em tremenda reversão de expectativas, em 1987 o líder russo Mikhail Gorbatchov era declarado o líder mais popular nos EUA: mais bem avaliado que os líderes americanos e capa da revista Time como a personalidade do ano.
Malvadões de menor coturno que Nixon, ora montando o burrinho democrata, ora o elefantinho republicano, vieram em uma terrível sequência de crises insolúveis até uma direita ainda mais burra que a de Watergate eleger Donald Trump, com negócios estranhos com a Rússia, enquanto o filho de Joe Biden se metia em negócios ainda mais estranhos na Ucrânia.
E aí, com Kamala Harris trazendo o aval dos povos originários e imigrantes, Biden desafia não só a Inteligência Artificial, mas a inteligência de qualquer um, comandando o declínio mais estrepitoso de um império.
Os economistas da Presidência americana dizem que para evitar o possível colapso econômico que viria de um calote gringo nos investidores de títulos públicos é preciso aumentar os impostos, ideia que dá urticária e tosse comprida nos republicanos.
Ou cortar os gastos do Pentágono, proposta que dá frouxos de risos gerais, nas duas bandas da Terra da Liberdade.
E o Brasil, como anda de líderes? Para Bolsonaro, tudo joia. Para Lula, ele próprio se desafiou a entregar a Amazônia sem desmatamento em 2030. Mas como, se o mandato acaba em 2026? Matar essa charada é com você, IA! (Fotos: Reprodução)
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br