Poder, cinismo e mediocridade
J. J. Duran
A sociedade se encanta com aqueles políticos que são ousados, espertos, porém de inteligência questionável, que abusam do discurso em defesa da ética, da verdade e dos bons costumes.
O uso frequente de citações bíblicas também ajuda esses "apóstolos" das cruzadas redentoras a se apresentar como eleitos para guiar "seu" povo pelo caminho da salvação.
A transformação de políticos em mitos ou iluminados depende do entusiasmo da plateia que os entroniza no poder e que os transforma em verdadeiros regentes de um entoar misto de audácia, cinismo e mediocridade.
Sob o céu republicano da orgulhosa Buenos Aires surgiu, nos anos dourados do século XX, um general virtuoso, mítido, fiel representante dos descamisados órfãos sociais, que cativou com seus inflamados discursos a maioria da sociedade.
À época, quase nenhum espaço deu a mídia tradicional para que a oposição de expressasse e a razão da força foi silenciando cada dia mais aqueles que ousaram defender o direito de opinar.
O cinismo suplantou a verdade, a corrupção moral suplantou a ética e a liberdade foi se eclipsando em todos os quadrantes da República.
A polarização dividiu famílias e fomentou o ódio, e a barbárie foi postulada como nova condição para reorientar os opositores "demenciais".
Uma nova casta de privilegiados criada pelo poder passou a usufruir das benesses que o novo líder outorgava ao seu exército de aloprados seguidores.
1945 foi o ano em que o céu escureceu de vez, deixando na penumbra e na solidão todos aqueles que optaram pelo difícil e tortuoso caminho da oposição.
O processo de mitificação e idolatria e a mistura impiedosa da religião com o falso discurso moralista serviram de ensino quase bíblico a uma infância ideologicamente comprada pelo poder autoritário, cínico e impiedoso.
Prisão, tortura e exílio formaram a face oculta da obra macabra, e ainda hoje essa orgulhosa metrópole do rio da Prata sofre os efeitos nefastos das políticas implantadas no famoso decálogo do trabalhador.
Faço parte de uma verdadeira legião de platinos transformados em ambulantes solitários do exílio e do abandono até familiar, legítima mostra do ensinamento de Daniel Sarmento de que "a democracia não morre em recintos ensanguentados".
A violência silenciou milhares de vozes e destruiu o sonho de milhões de argentinos. (Foto: Reprodução internet)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná