Do Haiti ao Palácio do Planalto (2ª parte)
J. J. Duran
O Brasil República muito deve às suas Forças Armadas desde quando elas se organizaram e passaram a se constituir em vínculo de união, porém sempre como sustentação das instituições republicanas. Emanadas do povo, elas merecem respeito e reconhecimento por isso.
Mas nas últimas décadas, e particularmente nos anos mais recentes, por conta da ação catártica dos acontecimentos, a República viveu a judicialização da política, a politização da Justiça e a militarização do governo político.
O antropólogo Piero Leirner sustentou não muitos meses atrás que "um grupo seleto de militares com patente quatro estrelas, aposentados e da ativa, pretendeu no governo do capitão Jair Bolsonaro reconstruir totalmente o esqueleto constitucional do Estado".
Sempre preguei que devemos escrever apenas a verdade, e quando se trata de um tema de extrema sensibilidade como é o caso dos militares se achegando ao poder político, como força gravitante, isso deve ser tratado com respeito absoluto ao calendário, aos fatos e aos nomes que já passaram a figurar na História.
O Governo Bolsonaro foi eleito em nome de uma causa que, desde o letargo imposto no ano de 1964, tem acumulado uma série de ataques e indagações sem respostas sobre a ruptura do poder constitucional republicano.
Os aspectos conclusivos desse tempo de expectativa da caserna frente a governos de ideologia um tanto oposta significaram um longo tempo emoldurado no que o filósofo Achille Mbembe qualificou como necropolítica, situação que expressa o poder que tem o governo para governar de forma absolutista e imprimir à sua gestão o personalismo da mediocridade, o fundamentalismo e ações coparticipativas do núcleo familiar nas questões do Estado.
Esse quadro político-institucional se agravou ainda mais quando o mundo se viu açodado pela letal pandemia da Covid-19. A incapacidade, o despreparo e o alopradismo postos na vitrine da sociedade formaram um golpe demolidor das velhas lembranças do poder militar intocável e incontestável.
Uma pergunta: o que levou os generais quatro estrelas Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos, Carlos Alberto Santos Cruz, Floriano Peixoto, Leal Pujol e Fernando Azevedo, considerados junto com Braga Netto a elite do comando da força terrestre, a apoiarem um governo de duvidosa competência sociopolítica comandado por um ex-capitão e seu grupo familiar que fazia do poder algo para chamar de seu?
Pessoalmente, não tenho uma resposta. (Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná