Ardil com os contribuintes
Editorial Esradão
Os efeitos perniciosos do pendor para o protagonismo que tem marcado a atuação de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão além do desgaste institucional da Corte e do Poder Judiciário. Isto já seria grave o bastante para suscitar um exame de consciência nos magistrados pouco afeitos às decisões colegiadas, mas para tristeza dos contribuintes o misto de alheamento e irresponsabilidade de parte deles ainda gera gastos bilionários para o Tesouro.
Um dos mais bem acabados exemplos dos prejuízos causados por essa febre monocrática que tem acometido alguns juízes, especialmente os de tribunais superiores, foi a decisão do ministro Luiz Fux de estender, em caráter liminar, a concessão do auxílio-moradia - um penduricalho de R$ 4,3 mil por mês - para cada um dos magistrados do País.
Em setembro de 2014, o ministro concedeu medida cautelar na Ação Ordinária 1.773, da qual é o relator na Suprema Corte, para autorizar o pagamento do benefício a todos os juízes federais, mesmo aqueles que já eram proprietários de imóveis em suas comarcas de atuação. Ato contínuo, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ingressaram com ações no STF pedindo o mesmo mimo para todos os juízes. Como os juízes federais, foram prontamente atendidos pela prodigalidade com o bolso alheio do ministro Luiz Fux.
Recente levantamento da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados, publicado pelo Estado, revelou que apenas neste ano o pagamento do penduricalho já custou R$ 834,5 milhões aos cofres públicos. Até o final de agosto, o órgão estima que a despesa chegará a R$ 973,5 milhões. Em quatro anos, desde a salgada canetada do ministro Luiz Fux, o gasto com o pagamento do auxílio-moradia irrestrito está perto de atingir a marca dos R$ 5 bilhões.
Em dezembro de 2017, Fux liberou para o plenário do STF o julgamento das ações que tratam do auxílio-moradia. A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, pautou as ações para a sessão do dia 22 de março, mas na véspera o ministro Luiz Fux decidiu retirá-las da pauta e remeter o caso para a Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União (AGU).
Não é absurdo inferir que a manobra de Fux na undécima hora tenha a ver com o possível desfecho que o caso teria no julgamento em plenário, a saber, a rejeição da concessão do auxílio-moradia àqueles que não fazem jus ao benefício à luz do que impõe a Constituição. Absurdo ainda maior foi a remessa à Câmara de Conciliação da AGU, órgão responsável por mediar impasses entre a União e órgãos da administração federal indireta, de um conflito de natureza eminentemente trabalhista. Deram em nada as negociações para revisão da concessão do mimo a todos os juízes. Afinal, quem estaria disposto a abrir mão de um benefício mensal de R$ 4,3 mil?
Assumindo que os cidadãos são, no mínimo, desatentos, discute-se agora acabar apenas formalmente com o benefício do auxílio-moradia. A AGU propôs como "alternativa" incorporar o valor aos salários, aumentando o teto salarial dos magistrados e, consequentemente, de toda a cadeia do serviço público. Trata-se de um novo ardil contra os contribuintes.
A "proposta" será discutida em reunião administrativa do STF convocada pela ministra Cármen Lúcia para o dia 8 de agosto. Cabe a ela apresentar ao Congresso a proposta orçamentária da Corte para o ano que vem. A ministra mostrou estar atenta ao difícil momento por que passa o País e já disse ser contra o encaminhamento de propostas de aumento para o Poder Judiciário. Resta saber o nível de pressão que será exercido sobre ela na reunião marcada para o mês que vem.
O auxílio-moradia irrestrito é uma excrescência, profundo descaso com os contribuintes. Seja com o nome que for, só deve ser concedido a juízes que estão autorizados por lei a recebê-lo por residirem fora das comarcas onde atuam. O que já é benefício que não se concede aos trabalhadores do Brasil.