Os comunistas venceram. O que será de nós agora?
Alceu A. Sperança
Difícil definir se é mais desinformação ou ilusão a ideia tosca de que a eleição de Lula da Silva para o terceiro mandato foi a vitória do "comunismo" no Brasil.
Mais próprio seria indagar o que será de nós agora que ficou absolutamente claro que não existe comunismo em lugar algum.
O que existe é só o capitalismo abrindo banco em tudo que é canto: só a China tem cinco megabancos.
Teórico desenvolvimento futuro do capitalismo, o comunismo só poderia ser uma eventual formação econômico-social de um ainda não-datado pós-capitalismo.
A rigor, o comunismo seria uma formação social sem Estado. Nada de impostos, as pessoas livres sabe-se lá de que forma ainda não conhecida, provavelmente tipo os carros elétricos inteligentes que evitam trombadas e seguem em frente sem amassar a lataria.
Não é algo que se instale com eleições do jeito que elas são feitas pelo mundo afora, com campanhas a peso de ouro e o Team Jorge (Israel) interferindo nos resultados eleitorais de outros países.
No mais, não é possível haver comunismo por implante, como cabelo. Nem por enxerto, como se faz com as tangerinas.
Então foi a esquerda que venceu?
Evidentemente não há comunismo nem aqui nem na China, pois tudo que existe, aqui, lá e em todo lugar, é só capitalismo. À vista ou a prazo em módicas prestações de uma dívida colossal, Caso Americanas, dupla recuperação da Oi, por aí.
Sim, mas então o que será de nós agora que a esquerda venceu?
Mais desinformação e ilusão, pois a coalizão PT-Alckmin-Tebet-Daniela nada tem a ver com esquerda, que por sua vez não tem a ver nem com o liberal-progressismo da coalizão lulista.
Liberalismo é capitalismo e esquerda é anticapitalista. Se é capitalista, não é esquerda. Se é esquerda, não é capitalista.
Daqui se conclui que o quarteto PT-Alckmin-Tebet-Daniela nada tem de esquerda: é apenas mais um grupo gestor do capitalismo à brasileira.
Muito mais propriamente os mais temerosos entre nós deveriam perguntar: o que será de nós agora que mais uma vez o Centrão, capitalista até a medula, venceu não só as eleições de 2018, 2020, 2022 como também vencerá as próximas?
Consulte seu bolso, saúde e nervos ano após ano, e terá as respostas.
O Centrão, sim, venceu
Assim sendo, agora que o capitalismo venceu mais uma eleição, como sempre, cabe indagar a ele o que será de nós, ansiosos por respostas para os grandes dramas da humanidade. Eis dois.
1) Por que morre tanta gente se a ciência já tem condições de prolongar a vida de todos?
Sergey Young talvez tenha obsessão pelo próprio nome, ao sugerir que qualquer um pode viver até 200 anos na boa. "A Ciência e a Tecnologia do Crescimento Jovem: Um Guia Interno para os Avanços que Prolongarão Drasticamente Nossa Vida Útil.... e o que você pode fazer agora" é o quilométrico e atraente título de seu mais recente livro sobre o assunto.
Mas ninguém está criando programas governamentais para uma vida mais longa, tipo Minha Longevidade, Minha Vida. Sobram estresse, dívidas, rancores, ofensas.
2) Por que nascem menos crianças?
No livro Meu Filho, Meu Tesouro, de 1946, o célebre Dr. Benjamin Spock ensinava "Como criar seus filhos com bom-senso e carinho".
Hoje talvez ele ensinasse a gerar filhos, porque a cada ano nascem menos crianças no mundo e, como ensina o manual de Young, mais idosos já passam facilmente dos cem anos.
Ter mais crianças já é um sonho para países como a Coreia, onde a população envelhece rapidamente.
"Transe que o Xi garante"
A taxa de fecundidade cai visivelmente no planeta. Dois terços das pessoas vivem em locais com média abaixo de 2,1 nascidos por mulher.
A China, aquela cheia de bancos capitalistas, entrou em desespero com poucos nascimentos e está em vias de criar um programa do tipo "Meu Filho, Minha Sobrevivência".
Entrando firme no conceito "crescei e multiplicai-vos", a província chinesa de Sichuan deixa para trás de vez a antiga política do filho único por família ao implorar que os jovens solteiros se dediquem a gerar filhos o quanto antes.
Em troca, gozarão (em todos os sentidos) de todos os benefícios concedidos aos bebês gerados no seio do sagrado matrimônio e estarão demonstrando patriotismo com a gravidez precoce.
Diante disso, a mais improvável das distopias - um mundo em que a falta de bebês leva o Estado a obrigar as pessoas a ter filhos custe o que custar - vai tornando factível o horror projetado pela escritora canadense Margaret Atwood no romance O Conto da Aia.
"Abençoado dia", "bendito fruto"
Começa quando terroristas religiosos de extrema-direita assassinam o presidente dos EUA e promovem a matança generalizada de políticos eleitos.
Ao se apossar do país pela violência preconceituosa e intolerante, transformam as mulheres férteis do país em escravas sexuais.
Os comandantes da nova teocracia machista que tenham mulheres de maus hábitos, lindas e amadas, mas inférteis, garantem para si o direito de ter filhos por meio da reserva de mercado de mulheres saudáveis a seu serviço, as aias.
Cumprimentam-se educadamente pela manhã desejando um "abençoado dia", a todo instante falam em "bendito fruto" e então estupram as escravas com a ajuda das esposas, as dondocas inférteis, tudo em meio a hipócritas louvações religiosas.
Um horror em livro, filme e série cuja premissa elementar - a queda na taxa de fertilidade - já está na ordem do dia.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br