Um flash do abastardamento da imprensa
Renato Sant’Ana
"Jornalismo é publicar o que alguém não quer que seja publicado. Todo o resto são relações públicas", disse George Orwell, escritor e jornalista que soube honrar a profissão e que, no romance "1984", retrata a brutal desumanidade dos regimes totalitários.
O repórter Fábio Marçal (Rádio Guaíba/Grupo Record) entrou no ar quando se debatiam ameaças do PT à liberdade de imprensa: taxou os colegas de "extrema direita" e os acusou de fazer "teoria da conspiração", dois clichês usuais para desqualificar quem denuncia o ideário esquerdista.
É sempre espantoso ver um jornalista brigar com os fatos. Pois nesse caso, como se verá, os fatos desautorizam a reação de Fábio Marçal.
O programa de governo apresentado pelo PT nas eleições de 2018, em relação à atuação da mídia, previa: "O monitoramento e aplicação dos princípios constitucionais deve se dar por meio de um órgão regulador com composição plural e supervisão da sociedade para evitar sua captura por qualquer tipo de interesse particular".
Será que Marçal é ingênuo? Esse "órgão regulador", no ideário petista, é um grupelho dominado por esbirros do partido para censurar jornalistas e ter a imprensa sob controle.
Ah, mas isso foi em 2018! Pois não. Transcrevo o que diz o Correio Brasiliense em 26/09/2022: "PT esconde plano final de governo. (...) Ao não se comprometer com um roteiro claro e detalhado de propostas, o PT age para evitar desgastes com segmentos da sociedade e aliados".
Com efeito, em 2022, em vez de programa, o PT veio com "intenções", que chamou de diretrizes, em que se lê: "É preciso, ainda, fortalecer a legislação, dando mais instrumentos ao Sistema de Justiça para atuação junto às plataformas digitais no sentido de garantir a neutralidade da rede, a pluralidade, a proteção de dados e coibir a propagação de mentiras e mensagens antidemocráticas ou de ódio".
Fique claro, a intenção do PT é ter, por exemplo, uma "lei antiódio" igual à da Venezuela e a criminalização de fake news, como na ditadura do energúmeno Vladimir Putin, leis que exacerbam o poder do Estado sobre as pessoas, que, na prática, podem ser acusadas e punidas por "crime de pensamento" (e o pior é que ambas as leis já estão sendo gestadas).
O sapiente Marçal dirá: "Ah, então és a favor do ódio e das fake news?".
Talvez ele não consiga entender que não basta ser moralmente reprovável para que uma conduta seja criminalizada; e que, contra o abuso de um Estado com poderes totais sobre a vida das pessoas, não há defesa.
"Ah, estás confundindo redes sociais com imprensa", dirá, como se o jornalismo não fosse feito hoje, em grande parte, nas redes sociais.
Parece que ele adotou um lema que bem traduz a plataforma do PT: "Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado", não sabendo que... isso é o que pregava Mussolini, chefe do fascismo italiano.
Aliás, ele já justificou a censura ao pessoal da Jovem Pan e apontou "coragem!" nas exorbitâncias de Alexandre de Moraes.
Marçal ignora que Lula, com o infame Plano Nacional de Direitos humanos, e Dilma, com o decreto 8243 (2009 e 2014), tentaram "fazer a revolução por dentro" (na língua petista), o que ia desde pôr cabresto no Poder Judiciário até à criação do "órgão regulador" de controle da imprensa.
Só não conseguiram porque, no pós-mensalão, ficou muito difícil comprar os parlamentares, e o Congresso acabou barrando tais iniciativas.
Ele também ignora a chamada Resolução sobre Conjuntura, aprovada pelo Diretório Nacional do PT em 17/05/2016, em que os caciques do partido lamentaram não ter usado a truculência revolucionária para um domínio total sobre Forças Armadas, Polícia Federal, Ministério Público e o que chamaram de "monopólios da informação" (sic). Só lamentaram isso. Sobre a corrupção nos governos petistas, nenhuma palavra.
Nisto estamos. O PT, anteriormente, usando as verbas de publicidade,
controlou empresas de comunicação, calou alguns profissionais, abrandou a fala doutros e até fez demitir jornalistas. O que fará agora, havendo tido as verbas multiplicadas e sido agraciado com a impunidade?
Um jornalista pode e deve ter um olhar crítico para o que faz o governo (seja qual for). Só que Marçal, pouco dotado para a análise política e preso na teia da consabida polarização, fez uma escolha ideológica em detrimento da própria capacidade crítica. Daí, pretextando criticar o governo, chegou a justificar ataques contra o Estado de Direito.
Agora ele, que não é agressivo, perdeu a linha e ofendeu os colegas. E acabou tendo o constrangimento de ouvir um deles revelar aos ouvintes que ele, Marçal, tinha um CC no governo petista (caso único, claro!), o que explicaria sua conduta. Aí, só lhe restou tergiversar...
Essa é uma pequena mostra do que, hoje, prevalece em nossa imprensa: chegamos ao ponto de ver jornalistas sendo presos sem o devido processo legal e sob o silêncio conivente da maior parte dos seus colegas.
Marçal pode nem ser o pior exemplo. Mas, ao deixar a bola picando, ensejou o desmascaramento do mau jornalismo destas plagas. (Arte: Fenaj)
Renato Sant’Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@outlook.com