O abandono como realidade
J. J. Duran
Neste tempo eleitoral, quando as vozes dos salvadores do povo elevam-se cotidianamente entoando hinos de autopurificação, é bom refrescar a mente desses iluminados e seus corifeiros a respeito da realidade em que vivem as camadas mais humildes da nossa sociedade.
O desemprego ainda elevadíssimo, com sua fúria impiedosa, segue castigando milhões de lares e gerando desolação. A indústria se contorce na sua responsabilidade social, mas não consegue atendê-la, o comércio trabalha para o fisco e para os encargos sociais e o agronegócio se vê às voltas com a mesma falta de uma política de real incentivo a que sempre esteve relegado pelos contadores da história feliz.
Avilta-se dia a dia a qualidade de vida das camadas sociais mais humildes e da classe média, enquanto os ricos ficam ainda mais ricos. Crescem desmedidamente os índices de empobrecimento, realidade cruel não contabilizada nos balanços oficiais. Não só o Brasil, mas o Continente como um todo virou um paraíso das multinacionais que sugam os esforços dos trabalhadores.
Enquanto isso, segue crescendo em números estarrecedores a quantidade de crianças e jovens sem lar, que não conhecem a fraternidade e cujo destino é a marginalização social, em um cenário nada assemelhado com o paraíso cantado em prosa e verso.
Menos mal que ainda existam, na sociedade em geral, vozes que se voltam contra esse cenário, mas que agem muitas vezes solitárias a bradar contra um Estado que ignora, despreza e às vezes até violenta aqueles que são o seu futuro.
Muitos dessa faixa da população vivem como se fossem corpos estranhos no organismo social, recebendo repreensão no lugar da compreensão e desprovidos de assistência digna.
O Estado rasga suas vestes quando o quadro social eclode nas ruas, quando gasta fortunas em propaganda mas, ao fim de tudo, sempre mostra sua incompetência para solucionar um drama que, mais que dinheiro, requer amor e respeito à condição humana.
Os políticos deveriam deixar de falar em eleição ou reeleição e mostrar o que fizeram e o que fazem em favor daqueles que são os filhos flagelados dessa sociedade que, com a maior hipocrisia, fecha os olhos ao clamor de uma geração que terá como lembrança de seu passado somente as cicatrizes produzidas pela incompreensão e pela falácia de muitos contadores de histórias felizes.
A hora é para os fortes, aqueles que não perdem a fé na construção de uma sociedade na qual a justiça social seja direito e não esmola e onde não existam hipócritas batendo no peito nas praças públicas enquanto mantém seus corações fechados ante o pranto de uma criança ou um jovem pedindo ajuda. (Foto: Wilson Dias/AGBR)
J. J. Duran é jornalista, membro da Academia Cascavelense de Letras e Cidadão Honorário do Paraná