Pesquisas são chocantes e insuportáveis
Alceu A. Sperança
O Congressão, com pressa desproporcional considerando o avanço da pobreza e a bagunça da infraestrutura, resolveu implicar com os institutos de pesquisas de opinião.
Só rematados ingênuos poderiam supor que essas pesquisas têm o objetivo ou a necessidade de representar fielmente uma situação final, mas o Congressão exige que elas façam isso.
O que torna as pesquisas chocantes e insuportáveis não é o que mostram, porque sempre vão trazer irritação a quem se julga prejudicado: pior é a satisfação doentia de quem se julga beneficiado e pinça nelas apenas dados favoráveis.
O que incomoda o Congressão não são as pesquisas científicas nem as consultas sobre as desgraças nacionais, que continuam as mesmas há no mínimo um século - e antes nem eram todas piores. Havia mais matas, mais ouro, mais índios.
O incômodo está na consulta à falha memória de eleitores. As pesquisas de declarada intenção de voto ignoram que memória de eleitor é um estranho poço cheio de traumas, decepções e culto a heróis com pés de barro.
O voto de cada um
O eleitor não pensa que seu voto dado no passado a um discurso falso resultou em manutenção do atraso nacional e da corrupção.
Passa borracha no próprio erro, perdoa ou se irrita com as traições sofridas e se limita a trocar o voto anterior e desastrado em um enrolador, eleito no passado esquecido, por um voto novo e incerto, baseado em truques publicitários que só vão trazer novas decepções no futuro.
Quando o pesquisador interroga o eleitor, por telefone ou cara a cara, não sabe se ele é honesto, psicopata ou brincalhão.
O honesto dará uma opinião sincera, ainda que indecisa, e vai se dividir entre três ou quatro opções de voto.
O louco escolherá alguém que deseja ferrando a pátria com reajustes cavalares de impostos, reprimindo brutalmente os pobres, esmagando favelados, arrebentando a indústria nacional, sacrificando o comércio, asfixiando os prestadores de serviços, sufocando as universidades, pilhando os recursos naturais.
O brincalhão escolherá alguém que gosta de fazer piadas, pegadinhas e dar rasteiras nos outros às gargalhadas.
Os fracassados, ao contrário, tendem a escolher gente de sucesso na TV ou ricos. Acham, em seus corações simplórios, que estes já não precisam mais de dinheiro e não vão roubar o minguado erário com orçamentos secretos, segredos de séculos, barras de ouro, de saia ou luxuosas vivendas e palacetes rachados.
Mentindo para os pesquisadores
Quando se pensa que os eleitores nem sempre são sinceros, honestos ou dissimulados quando respondem a um questionário que vem perturbar sua vidinha diária cheia de responsabilidades, é inevitável que o item essencial de qualquer uma dessas pesquisas seja a margem de erro.
Em geral, quanto maior é a margem de erro anunciada, maiores são as chances de uma situação final bater com as aferições temporais anteriores: 30 pode ser 35 para mais ou 25 para menos.
Quando na data marcada aquele eleitor que respondeu à pesquisa, seja com honestidade, loucura ou brincadeira, apresenta seu nome verdadeiro em uma junta de recepção de votos e se dirige solenemente à urna para votar não se tem a menor ideia sobre se ele vai votar como declarou na pesquisa.
Ter margem de erro é para uma pesquisa de intenção de votos equivalente à Lei de Murphy: se puder dar errado, vai dar.
E a pesquisa que bate com o resultado final sem erro nem margem não é um acerto científico, mas uma espécie de vitória no jogo pedra, papel e tesoura: antes, errou, acerta agora mas voltará a errar em breve, mesmo que acerte duas ou três vezes seguidas no par ou ímpar, no toss da moeda ou unidunitê.
Punir Mãe Dinah porque dupla sertaneja não morreu?
É tolice atrapalhar os institutos de pesquisa exigindo que sejam oráculos infalíveis, porque eles apenas são prestadores de serviços às empresas, marcas e entidades que precisam investigar tendências, sendo a publicidade apenas um item de uma cesta.
Se a empresa ou marca constatar que a empresa não presta bons serviços vai preferir ser cliente de outra empresa. Liberais e democratas costumam defender o mercado como regulador dessas coisas.
A menos que pretendam secretamente instituir a "Enquetobrás", estatal entregue a compadres e áulicos do poder que vai sempre dar aquilo que o rei mandou dar...
Talvez a pesquisa mais odiosa dos últimos tempos sejam aquelas sobre o número impressionante de jovens que não acreditam mais no Brasil e resolveram ir para outros países tentar uma vida melhor.
Em agosto, a pesquisa Branding Brasil apontou que os jovens têm uma visão mais pessimista do país que os mais velhos e 55% morariam em outro país se pudessem.
Logo após o primeiro turno das eleições, o DataFolha fez uma pesquisa com jovens e apurou que 76% gostariam de viver em outro país - não um país governado pelas promessas dos políticos da moda, mas um país no qual possam trabalhar e estudar com resultados seguros sobre um futuro melhor.
No qual mendigos de gravata e canudo universitário sejam apenas uma piada e não a triste realidade dos diplomados.
O mais endividado atire o primeiro boleto
Quem confia em promessas quebra a cara fora da margem de erro. Hoje na faixa dos 30 a 39 anos, eles são os mais endividados do país: é o grupo que mais confiou nos políticos, mais assumiu compromissos confiando que eles fariam o Brasil rico e hoje são os que mais devem, segundo o DataFolha.
Muitos já enxugaram lágrimas de decepção com as toalhas e bandeiras de seus heróis eleitorais. Votaram em soluções e arranjaram mais problemas para si e para todos.
Hoje, engrossam a fatia da abstenção nas eleições e quando vão às urnas, novamente iludidos, é para cumprir a obrigação de votar e não ter incômodos quando precisarem ajeitar a documentação para pular fora, com seus votos em branco e nulos.
Mas votar, mesmo com essa taxa de 90% de margem de erro e de arrependimento que vem depois de eleger trastes para funções importantes, será sempre melhor que mentir aos pesquisadores para que tenham suas pesquisas queimadas na fogueira do Congressão do Centrão, acesas com o combustível que vai aumentar após o pleito.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br