A Era dos Pinheiros
Alceu A. Sperança
Quando, em março de 2019, tombou um centenário pinheiro no Parque Ecológico Paulo Gorski, reprisando a queda anterior de outros pinheiros no Jardim Melissa em fevereiro, nosso colega e vizinho Jairo Pitoco Eduardo perguntou o que nos diria aquele pinheiro, avaliado como tendo seu primeiro ano em 1885.
Longe da capacidade mediúnica de ouvir o que mortos têm a dizer, é possível que aquele velho pinheiro tombado nos dissesse que os de sua idade tendem a cair mais à medida que os ventos aumentam, por conta do aquecimento global e alterações dramáticas no clima.
Talvez, temendo os berros e insultos dos negacionistas, dissesse, quase sussurrando, que em sua homenagem deveríamos plantar pelo menos um pinheiro a mais para cada ano de existência dos que tombam.
Perdemos há pouco a centenária d. Cissí, Juraci de Almeida Formighieri, esposa do primeiro prefeito de Cascavel, José Neves Formighieri. Impossível esquecer sua firme gentileza, palavras seguras e presença marcante. Seus filhos Marcos, João Carlos, Juraci, Regina e Sandra têm razões de sobras para se orgulhar dos pais.
Paisagem e valor à vida
Algo marcante precisará ser feito em homenagem a d. Cissí, como começamos a fazer para que no futuro tenhamos mais pinheiros centenários - e, com um Brasil melhor, sem a volta de doenças já vencidas e piora nos dados da pobreza.
Com mais ciência e técnica a serviço do ser humano, mais pessoas poderão chegar aos cem anos de uma vida produtiva e feliz, sem que mães pobres tenham que abortá-la na ignorância desassistida.
Deveríamos, logo de saída, plantar uma centena de pinheiros em homenagem a d. Cissí, até aproveitando para dar mais visibilidade à recente criação, pela Prefeitura de Cascavel, do Programa de Resgate da Paisagem Natural, que prevê a reposição de dez mil araucárias.
É admirável a consciência que o valor da vida desperta nas pessoas, em algumas como valor humano supremo, em outras, mais ainda, como valor universal. Um pinheiro é uma vida. E que vida! É urgente evitar que ela seja abortada pelo negacionismo climático.
Milagre tecnológico
O cientista chinês Feng Shile estava em um parque arborizado em Hong Kong quando o prenúncio de uma descoberta iluminou sua mente: ao observar uma folha de araucária, percebeu que ela trazia em si muito mais do que apenas aparentava.
Levando-a para o laboratório, quase caiu de costas ao verificar que, nela, líquidos com diferentes tensões superficiais fluíam em direções opostas, pondo abaixo a noção que sempre se teve a respeito desse espalhamento.
Sim, parabéns pela curiosidade do chinês, mas no que isso muda a minha, a sua, a nossa vida? Muda que ele e colegas da Universidade de HK liquidaram a discussão, que já durava duzentos anos (o dobro da idade dos pinheiros caídos no Jardim Melissa), sobre se a direção de espalhamento de diferentes líquidos depositados na mesma superfície pode ser direcionada.
Sim, yes, si, mas, de novo, no que isso muda nossa vidinha amante da vida como valor eterno, sem abortos na natureza?
Aspecto da vida que ainda não havia sido percebido pela Física, a descoberta permitirá criar estruturas de superfícies 3D para manipulação inteligente de líquidos, com várias aplicações científicas e industriais, dos biochips microfluídicos aos sistemas de dutos e de transferência de calor na indústria e em veículos.
Vida e morte pinheirina
Como o assunto é vida, vamos pular da universidade chinesa para outra, inglesa. Oliver Wilson, da Universidade de Reading, fixou o ano de 2070 como prazo para o fim das araucárias.
Sim, a morte de todas essas magníficas árvores que agora deram de cair sem que alguém possa determinar exatamente por que tombam.
Oliver Wilson suspeita que as áreas favoráveis à reprodução das araucárias vão encolher a quase zero nas próximas décadas porque o aquecimento maior da atmosfera pela mudança do clima vai afetar desastrosamente o habitat dos pinheiros.
O pior para essa vida tão preciosa é que só 2,5% dos ambientes onde eles estão se encontram protegidos como unidades de conservação. Abortos vegetais aos montes, portanto.
Protegido por lei desde dezembro de 1991, em gestão anterior o secretário Luiz Ernesto Meyer Pereira, então no gabinete do prefeito Salazar Barreiros, o pinheiro que se erguia atrás do Centro Cultural Gilberto Mayer foi derrubado sob a justificativa de favorecer a construção do Teatro Municipal.
Com exceção dos chatos de sempre (presente!) não se ouviu muita reclamação quanto à remoção do pinheiro, que nos anos 1980 foi ponto de honra para a juventude da época, embalada pelos delírios ecológicos aquarianos.
Amor ou guerra?
Para que a nova geração tenha com o que rir da ingenuidade de seus pais, digamos que a Era de Aquário na qual eles acreditavam fosse uma espécie de Nova Era Mundial ao contrário da atual: a Era de Aquário, que viria com a virada para o terceiro milênio, seria um tempo de paz, amor e prosperidade para todos.
Já a Nova Era, todos sabem: é uma mixórdia de governantes bons de bico mas ruins de gestão, ameaças extraterrestres, apocalipse climático e religiões esquisitas, que ao contrário dos tradicionais amor, perdão e caridade cristãos pregam o rancor, a violência e a intolerância.
Seus pais se enganaram com a data da Era de Aquário e a remarcaram: ela teria começado com duas décadas de atraso, entre 2020 e 2021. Mais ou menos quando começou a acelerar o relógio do fim do mundo, a data remarcada para a destruição final: amanhã cedo, segundo qualquer calendário maluco que o freguês escolher.
Pinheiros caindo são segundos a mais nesse insuportável, inaceitável relógio do processo abortivo da vida sobre a Terra.
Alceu Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br