Um dia na vida de Laurentina, 100 anos de uma família cascavelense
Alceu A. Sperança
Aos 90 anos, em depoimento à jornalista Maria Roselane Gabriel no jornal O Paraná , Laurentina Lopes Schiels disse que não votou em José Neves Formighieri para a Prefeitura, optando pelo farmacêutico Tarquínio Joslin dos Santos, estabelecido na mesma rua em que ela morava, mas reconheceu que o primeiro prefeito, Formighieri, fez uma ótima gestão.
"Só se via casas e mais casas, comércios e mais comércios. Tudo foi crescendo, os prédios, as estradas, meus filhos".
Essa apreciação da pioneira, cuja chegada em Cascavel completa 100 anos neste 8 de setembro de 2022 e cuja longevidade só não foi maior que sua sabedoria, força a pensar que sua família e a cidade progrediram ao mesmo tempo. As imagens de linha do tempo mostram que o contentamento de Laurentina com o progresso da cidade decorria da observação da realidade.
Cascavel imune à guerra
Ela, que em sua simplicidade considerou um milagre a II Guerra Mundial não ter alcançado Cascavel, embora tivesse causados sérios dados à economia da fronteira, mesmo travada muito longe daqui, viu não apenas seus filhos crescendo, mas também chegou a acarinhar muitos netos e bisnetos.
Seus netos e bisnetos também foram nascendo e crescendo e ao remexer as velhas fotografias recordaram como era conviver com a vovó Laurentina sempre disposta a unir a família, mesmo distribuída no espaço depois que os filhos cresceram, foram se casando e tendo os próprios filhos.
O onipresente chimarrão
Ao remexer as velhas fotografias, seus netos vão recordando como era conviver com a Laurentina sempre disposta a unir a família, mesmo distribuída no espaço.
Com base nos depoimentos deles, um dia na vida de Laurentina começava esquentando a água para o chimarrão no fogão aceso que logo serviria para iniciar os pratos que viriam a seguir.
Também seus netos e bisnetos foram nascendo e crescendo e ao remexer as velhas fotografias vão recordando como era conviver com a Laurentina sempre disposta a unir a família, mesmo distribuída no espaço.
Remédios da natureza
A primeira providência era esquentar a água para o chimarrão o fogão aceso serviço iria para iniciar os pratos que viriam a seguir. Cozinhar para a família era apenas uma de suas inúmeras atividades durante o dia a dia, sempre entremeadas de várias cuias de chimarrão, sua receita para a energia e vitalidade, distribuídas durante a jornada.
Fosse o mal que algum filho ou neto sentisse, ela sabia como fazer o remedinho ou o chá que daria conta do problema, pois foram muitos anos sem ter outro médico ou farmacêutico à disposição além do mato ao redor.
Mas o remédio que mais sarava era o que matava a fome. Um dos pratos mais lembrados pelos netos era seu arroz perfeito.
A comida perfeita é a da vovó
As saudades dos netos vem do conjunto da obra: ela não se limitava a cozinhar o arroz, ainda que a receita fosse muito especial.
Ela plantava o próprio arroz, colhia e armazenava, em processo que ia da terra à mesa. O arroz que ela fazia, caprichosamente, vinha dos últimos rituais, feito tão perto das refeições que até quem iria comer também se envolvia com o processo: começava pela limpeza inicial no pilão e à noite, sobre a mesa limpíssima, à luz de lamparina a gás, tirar do meio dos grãos o gorgulho, que ela chamava de "capitão" .
O segredo: panela de ferro
Agitada o dia todo, distribuía-se entre os cuidados com a criação das galinhas e a sagrada capina de cada dia, trabalhando, já aos 90 anos, como "uma boia-fria de vinte anos".
O fumo do cigarrinho de palha ela mesma plantava.
Ela também fazia farinha em monjolo, uma tecnologia desconhecida por quem se acostumou só a abrir pacotes comprados no supermercado.
Sobre o fogão aquecido ela tinha o arroz festejado, mandioca, um feijão sem igual que os netos comiam até frio, saladas sempre a mão, também um inesquecível franguinho na panela, que é a galinha caipira preparada em panela de ferro.
Criando pato, vaca e porco na Rua 7 de Setembro
A polenta, maná de cada dia obrigatório na colónia, comidas com temperos que ela mesma cultivava, pães deliciosos e quentinhos assados ali mesmo em forno de barro e o leite, tirado das vacas leiteiras no quintal, onde o leite era engarrafado e era vendido na cidade.
Criava: ganso, pato, galinha de Angola, porco que saía do chiqueiro da Rua Sete de Setembro para o açougue perto do Hotel Apolo 11.
Vacas leiteiras e cavalos para puxar a carroça do genro Pedro Rego Filho eram os animais maiores. Essa criação se distribuía pelo sítio junto a um dos pulmões da cidade, próximo a um dos pontos mais cults de Cascavel: o bar e restaurante Jardin do Eden.
Amendoim e pipoca no galpãozinho eram o objeto do desejo dos netos que chegavam depois da aula para brincar, comer e se divertir.
Ernesto’s Restaurante
O neto Ernesto não só tem uma vívida memória dos quitutes da avó Laurentina como também é fruta que não caiu longe do pé: possui um restaurante no centro de Cascavel.
Lembra com saudade das colheitas de pinhões, comer milho verde, fazer virado de couve.
O que ela pensava naquela escada?
Sentava-se na escada de acesso à casa e via os netos brincando. Ao cair da tarde , rezava no altar que ela mesma preparou com uma sempre presente imagem de Santa Rita, de quem era devota.
Nas noites frias, contava histórias em volta do fogão a lenha. Suas histórias eram tão saborosas quanto as comidinhas.
Em 8 de setembro de 2022 se completam 100 anos desde que ela veio para Cascavel, para ser a matriarca da primeira família cascavelense.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceupcb@gmail.com