A desinibida militância de Martha Medeiros no jornal (final)
Renato Sant’Ana
Tal como nos demais, neste oitavo e último artigo da série, a crítica está ancorada em fatos. E o que dirão os fatos hoje?
Dois indivíduos espancaram e, depois, empurraram, para ser atropelado por um caminhão que passava, o empresário Carlos Alberto Bettoni (56), que, atingido na cabeça pelo para-choque do veículo, caiu banhado pelo próprio sangue e com traumatismo craniano, enquanto os agressores "afastaram-se do local, demonstrando frieza e total desprezo pela vida humana", como afirmou a juíza Debora Faitarone, que mandou prendê-los.
O crime ocorreu em frente ao Instituto Lula, durante um protesto contra a prisão do líder petista, em 05/04/2018, sendo os agressores Manuel Eduardo Marinho (dito Maninho do PT) e Leandro Eduardo Marinho, pai e filho, que não toleraram a presença nem as críticas da vítima.
Bettoni ficou com deficiência de fala e de coordenação motora e com uma rotina de convulsões, quedas e repetidas internações hospitalares, sequelas que o incapacitaram para o trabalho até falecer em 2021.
Maninho, graças a um habeas corpus dado de ofício pelo STJ, ficou apenas sete meses preso. E logo foi nomeado para um cargo público pelo prefeito petista de Diadema, José de Filippi, com salário de R$ 10.533,55.
Agora, pasmem! Em 09/07/2022, num ato de campanha em Diadema/SP, depois de apregoar que roubar tênis não é crime, e de mentir dizendo que a Lava Jato desempregou mais de 4 milhões de pessoas e que ninguém atacou mais a corrupção do que o PT, Lula exaltou como herói o tal Maninho.
Disse Lula: "(...) ficou preso sete meses porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto. Então, Maninho, eu quero em teu nome agradecer. Porque foi o Maninho e o filho dele que estiveram nessa batalha. Obrigado, Maninho! É o seguinte, essa coisa, essa dívida que eu tenho com você, jamais a gente pode pagar em dinheiro. A gente vai pagar em solidariedade e em companheirismo".
Essa fala de Lula é um diapasão para afinar a militância. Aliás, virou rotina, ultimamente, Lula minimizar crimes e exaltar criminosos. E há de ser mera coincidência que, em 2018 (dados oficiais do TSE), 82,47% dos presos do Brasil aptos a votar escolheram o PT (O Globo, 10/01/2019).
Desde sempre, a praxe do PT é passar a mão por cima de quem praticou ilícitos. O estatuto do partido prevê como infração ética e disciplinar "a improbidade no exercício de mandato parlamentar ou executivo", o que pode ser punido até com expulsão - regra jamais aplicada.
Foi por não mudarem de opinião que, em 2003 (Lula no governo), acabaram expulsos do PT a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE): eles se opuseram à reforma da Previdência que o próprio PT havia proposto, que era semelhante à do governo de José Sarney, que todos os petistas combateram.
E foi por ter delatado a gigantesca corrupção dos governos petistas que, em 2017, Antonio Palocci foi expulso, ou seja, não foi pelos crimes que ele cometeu. O normal é petistas condenados pela Justiça serem tratados pelo PT como heróis e como mártires perseguidos "pelas elites".
A revista Crusoé (08/07/22) trouxe matéria assinada por Cláudio Dantas apontando, com base em inquéritos sigilosos, que uma facção criminosa com ramificações país afora se aproximou de integrantes do PT e avançou perigosamente sobre a política. Seria decente que, por exemplo, o PT suspendesse Senival Moura, líder do PT na Câmara de Vereadores de São Paulo, investigado pela polícia por envolvimento com a tal facção. Mas ele será protegido pelo PT; e o esclarecimento do caso, combatido.
Pois é. Como visto ao longo desta série, o PT segue o que prelecionou György Lukács (filósofo e militante comunista húngaro), para quem a classe revolucionária não deve obedecer à lei, mas apenas seguir as circunstâncias da luta de classe. É o vale tudo revolucionário, no qual não há lugar para a compaixão e a vida humana é um item descartável.
Posto isso, como pode a escritora Martha Medeiros, para justificar sua campanha pró-Lula, falar de "humanismo"? Com todos os fatos relatados aqui e nas demais colunas desta série, como pode ela acreditar que Lula é capaz de infundir "a paz e a confiança na democracia"?
O escritor William Faulkner, Nobel de literatura em 1949, tinha posição contrária ao engajamento político de artistas, o que inclui escritores. Não era alheamento que ele propunha, mas distanciamento. Que pensar?
É um exercício de "honestidade intelectual" pôr em xeque a nossa própria convicção: que probabilidade há de, contra todas as evidências, cairmos no autoengano? O que é que nos pode obcecar, quer dizer, cegar em relação a determinados fatos? Em que medida somos manipuláveis?
No livro "O que sei de Lula" (Topbooks, 2011), José Nêumanne Pinto expõe a obscura história do PT e de Lula, uma profusão de atos abusivos que petistas adornam, claro, com um discurso populista de autoelogio. Depois de lê-lo, só autoengano levaria alguém a acreditar no PT.
Volto a Faulkner. Mesmo pessoas intelectualizadas (ainda mais artistas, que são profissionais da "emoção") correm o risco de deixar-se seduzir pela sentimentalizada retórica do poder, desenvolver miopia ideológica, ter obnubilada a percepção e, no caso dos artistas, empobrecer sua própria arte. Faulkner tinha razão, pois.
O que pretendi nesta série de artigos (e penso ter conseguido) foi mostrar a dissonância que há entre a realidade fática e as crenças que a colunista de Zero Hora exalta em seu prosélito manifesto como se fossem verdades.
Martha Medeiros granjeou respeito e admiração com suas crônicas plenas de sensibilidade. Mas, de costas para os fatos, parecendo presa dalgum sortilégio, abandonou o que lhe é genuíno, curvou-se ao politicamente correto e passou a vocalizar um discurso que não lhe pertence, seduzida que foi pela sentimentalizada retórica do poder. (Foto: Reprodução)
Renato Sant’Ana é advogado e psicólogo - sentinela.rs@outlook.com