O presidente rico, sábio, comediante ou preso?
Alceu A. Sperança
O que menos importa em um governante é se tem uma pilha de diplomas, como Fernando Henrique, é abastado como Vladimir Putin (fortuna estimada entre US$ 40 bilhões e 70 bilhões) ou se prefere ser pobre, como o uruguaio Pepe Mujica.
Em seu tempo, Rui Barbosa era considerado o brasileiro mais sábio, mas nem por isso evitou duas arrasadoras derrotas à Presidência da República. Em 1910, Hermes da Fonseca o bateu com 403 mil votos a 223 mil. Em 1914 foi pior: quem venceu foi Venceslau Brás, com 532 mil votos contra 47 mil.
Já na Presidência, Brás impôs em 1916 mais uma derrota a Barbosa, que era o advogado do Paraná no caso do Contestado. O Paraná perdeu para Santa Catarina sua região Sudoeste, que o emendava com o Noroeste gaúcho.
Misto quente e frio de farsa e tragédia
Se fosse o rei da Inglaterra, o príncipe Philip de Edimburgo, marido da rainha Elizabeth II, seria disparado o mais poderoso comediante do mundo. Ele conservou o bom humor até a morte, a dias de completar cem anos, em abril de 2021, na condição de membro mais politicamente incorreto da família real britânica.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, comediante de ofício, só teve graça quando interpretou na TV o papel de um presidente trapalhão. A história dirá se ele foi melhor presidente na TV ou na vida real, pois sua comédia virou tragédia.
É impossível olhar para o mundo de hoje sem lembrar as comédias e tragédias de Shakespeare e reforçar a convicção de Karl Marx, recente e indiretamente citado pelo vice-presidente Hamilton Mourão: "A história ela ora se repete como farsa, ora se repete como tragédia".
A noção de que uma "nova ordem mundial" ameaça o mundo mistura tragédia e farsa numa mixórdia escabrosa. Hegel e Marx, munidos das novas teorias, como a das cordas e dos universos paralelos, talvez dissessem que a história se repete uma terceira vez em mistura confusa e maluca de farsa e tragédia.
Antes que a Ucrânia implodisse Olavo de Carvalho (que foi embora do Brasil) e Alexander Dugin (que sempre vem ao Brasil), tido por mentor intelectual do presidente russo, Vladimir Putin, ambos uniram farsa e tragédia na mesma peça: o tradicionalismo, peça-chave do debate que os dois travaram e resultou no livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial.
Uma nova desordem mundial
Carvalho, já morto, defendia a união dos tradicionalistas em torno dos EUA, que seriam a salvação do mundo contra a China, tida por Império do Mal por ser uma sociedade de massas, científica e focada no desenvolvimento econômico.
Dugin, ainda bem vivo, aos tenros 60 aninhos, acha que a salvação do mundo é enfrentar os EUA malvados e egoístas com uma receita política e geográfica chamada Quarta Via ou Partido Eurásia, unindo a Europa e a China numa poderosa força para enfrentar os diabólicos americanos.
Para derrubar o morto Olavo e o vivo Dugin, Trump foi derrotado nos EUA e Putin invadiu a Ucrânia, pondo por terra as toscas ideias dos EUA como vanguarda tradicionalista que iria derrotar a China e a Rússia como capaz de unir a Europa e a China numa quarta via para o futuro do mundo.
Há poucos americanos querendo voltar à Guerra Fria e escassos chineses interessados em fortalecer a estratégia de Putin de restaurar a Grande Mãe Rússia.
Voltando à questão inicial, um presidente não precisa ser sábio, rico ou comediante, desde que não traga desgraça e frustração aos eleitores e à população.
Como estimava o nada engraçado e nem rico, mas sábio Deng Xiao Ping, a gestão político-administrativa precisa funcionar: "Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato".
No pain, no gain
Antes de chegar ao poder em sua nação hoje acusada de ser o Império do Mal, o grande caçador chinês de ratos incompetentes e incapazes viveu uma triste história.
Sofrendo horrores e humilhações até dar a volta por cima e se consagrar como sábio e funcional, Deng foi caluniado, preso e torturado. Apesar de sua grande capacidade intelectual, foi forçado a trabalhar numa oficina de conserto de tratores com a esposa, também presa, ela como faxineira.
Nelson Mandela, outro estadista que entrou na história com a máxima grandeza, passou décadas atrás das grades. O líder luso Mário Soares foi preso 12 vezes. José Bonifácio, o Patriarca da independência, foi preso apesar de sua história como peça-chave na libertação do Brasil do jugo português.
Talvez o que esteja faltando a muitos líderes arrogantes e cheios de conversa fiada em campanha eleitoral seja, antes de receber um poder que não sabem usar com qualidade, passar uns bons tempos em cana para pensar em como agir melhor ao sair do xilindró.
Sabendo que se não funcionar e se envolver em mutretas voltarão a comer o pão que o diabo amassou e a ver o sol nascer quadrado. (Foto: Reprodução)
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br