Pobre Brasil! Caiu em muitas armadilhas
Alceu A. Sperança
Que tipo de conselheiros têm o governo? De onde eles vêm? O que comem? O que aconselham?
É impressionante ver um palácio cheio até a boca de arrogantes antiglobalistas caindo no velho truque da dependência globalista a um insumo essencial. E logo o motor do crescimento do nosso portentoso agronegócio - os fertilizantes!
Além de cair na armadilha global, os terraplanistas militantes caíram no autoengano: a ilusão de que fechar a indústria de fertilizantes nitrogenados no Paraná e descontinuar projetos de novas fábricas pode ser compensado pela prospecção em terras indígenas, onde não há bons veios de adubos aproveitáveis.
E o que dizer de entregar uma indústria de fertilizantes - a UFN-III, no Mato Grosso do Sul - aos russos? Os russos, esses mesmos que fornecem armamentos à Venezuela, invadem a Ucrânia, dançam no Bolshoi e escreveram Guerra e Paz?...
As coisas mudam: gente antes aos berros contra a China silencia e bate palmas quando sabe que os orientais chegam e investem aqui. Compraram nos últimos anos dezenas de empresas brasileiras pela bagatela de US$ 21 bilhões.
E já estão com outros tantos bilhões da mesma origem colocados na mesa para investir nos próximos meses. Investimentos calam berreiros preconceituosos, mas a qualidade dos conselheiros dos governos continua sofrível.
Apanhar da torcida
Sempre se pode dar um jeito no rancor irracional contra estrangeiros, até porque muitos de nós também tivemos origem em outros países e continentes.
O pior é aquela sensação de derrota ao ver os jovens saindo para trabalhar no exterior, sem ligar que seus pais, vizinhos e contribuintes em geral custearam com trabalho e suor os seus (deles, os moleques) estudos nas universidades públicas.
Ao contabilizar o que saiu do bolso pátrio, os financiadores do ensino superior - nós, em suma - perguntamos: por quê essa molecada vira as costas à Pátria amada, que lhes deu régua e compasso, e embarca rumo aos EUA, Portugal, Espanha, França, Índia, China, Rússia, onde vai gerar riquezas com seu trabalho?
Além dos que já foram e continuam indo, há pesquisas indicando que cerca de 70 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais deixariam o Brasil se pudessem. Uma população superior à do Reino Unido.
A desculpa desses fugitivos é que a produtividade não cresce, a desigualdade aumenta, torcedores agridem o próprio time, balas perdidas acham alvos moreninhos, a politica é o reino invencível do Centrão... desculpas para fugir não faltam.
Bônus pornográfico
Se é possível ser pior, ainda quanto ao problema da idade, o Brasil também caiu na armadilha mais cruel para uma nação mergulhada no atraso do subdesenvolvimento: perdeu o bônus demográfico, algo muito difícil de compreender.
Tinha uma juventude maravilhosa.“Ninguém segura a juventude do Brasil”, cantavam Dom & Ravel, emocionados. Diante dos fatos, dizer pornográfico seria mais compreensível.
O Bônus Demográfico é a bênção, como se diz nos bons templos, que uma nação recebe e se torna o motor de seu arranque rumo ao futuro: é uma juventude que ninguém segura.
Se os governantes são geniais como os eleitores majoritariamente acreditam, a culpa é dos conselheiros, pois o FMI e o Banco Mundial acham que a bênção foi desperdiçada.
Os economistas supõem que um país capaz de aproveitar seu bônus demográfico se afasta da pobreza e põe os dois pés no clube das nações ricas.
O Brasil, ao que dizem os especialistas internacionais, ganhou um maravilhoso BD, mas matou muitos jovens em acidentes de trânsito, drogas e tiroteios, prendeu um monte deles sem sequer pensar em recuperá-los de acordo e continua pobre, dando crescentes sinais de que vai envelhecer com dores em todas as juntas.
Cruel e aparentemente sem saída
Armadilha cruel na qual o Brasil caiu foi a da renda média. Desde a mãe das atuais crises - o desastre econômico da ditadura, em 1980 - o país se entregou ao neoliberalismo, que não é nenhum modelo de planejamento eficaz,
Relaxou quanto às políticas de longo prazo para emprego e renda, menosprezou a indústria, fez pouco da ciência e emperrou o progresso tecnológico.
Isto significa dizer incapacidade para alcançar o desenvolvimento sustentável, que seria escapar às malhas paralisantes da armadilha da renda média.
Como ninguém segurou a juventude, ela vaza pelas fronteiras, parte dos aeroportos e singra o oceano.
Mas não se turbem os corações brasílicos: em outubro tem eleição e desta vez os eleitos terão conselheiros mais espertos que os arrogantes ministros entronizados desde que a terrível crise de 1980 pôs o Brasil de joelhos.
Prostrou-se de fraqueza, mas sempre se pode aproveitar a posição para alguma reza que de fato funcione.
Como tudo é passageiro, é preciso confiar que as coisas mudam. Afinal, há um século, em 1922, como estava o Brasil?
O mundo sofria uma pandemia assustadora - a encefalite letárgica, que deixava as pessoas imóveis, como estátuas vivas. O país vivia uma severa crise econômica e militares se rebelavam contra o governo no Forte de Copacabana.
De lá para cá, que as pessoas hoje ainda possam se mexer para pagar seus boletos já foi uma grande mudança.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br