O bicho, o Tonho e o seu Mário
Um xará muito estimado por mim não completa seu dia sem antes passar em um estabelecimento qualquer para fazer a sua fezinha. E pra minha alegria, dificilmente ele passa um mês inteiro sem faturar o que costuma definir como "mais quinhentinho". Aliás, esse meu amigo é um cabra bem mais sortudo que meu sogro, que diariamente vai a uma pequena banca a duas esquinas de casa fazer sua aposta, mas sempre que pergunto sobre o assunto me responde, um tanto quanto desenchavido, que uma vez mais não deu sorte.
E entre a alegria que sinto pelo meu amigo homônimo e a dozinha que sinto do pai de minha esposa por conta de sua pouca sorte, eu, que desde que me conheço por gente - e faz tempo isso! - apostei uma única vez no jogo do bicho, uma naquela velha Loteria Esportiva da zebrinha de um tempo em que dava gosto de assistir ao programa Fantástico, e quando muito meia dúzia de vezes na tal da Mega - aquela mesma que algumas pessoas ilustres já andaram acertando em série -, não poderia deixar de manifestar minha discordância com os rumos do debate em torno da legalização dos chamados jogos de azar em nossa pátria amada.
Sem um cassino legalmente constituído já há 75 anos, o Brasil faz de conta que combate ferozmente os jogos ilegais, embora todos - dos pobres animais de rua aos agentes da segurança pública encarregados de reprimi-los - saibam de cor e salteado que eles jamais deixaram de existir. E como é ano eleitoral, o dono da caneta vai logo avisando que com ele não tem essa de legalizar o que pelas leis vigentes ainda é uma contravenção e que vai vetar o texto aprovado na madrugada passada pela Câmara dos Deputados, sob alegação de que essa prática não se coaduna com o ensinamento bíblico - que, diga-se de passagem, por uma nada inoportuna ironia do destino também desaprova que um mesmo homem se case "contra” quatro diferentes mulheres.
Deixando de lado a jocosidade, acrescento a este breve comentário apenas dois dados que considero relevantes: 1 - o Uruguai adotou até a isenção de impostos para atrair os brasileiros, que respondem por cerca de metade da renda do turismo de apostas obtida por lá; e 2 - estimativas oficiais dão conta que a legalização dos tais jogos de azar possa render aos cofres públicos do Brasil de 15 a 20 bilhões de reais anuais em impostos, além de incrementar sobremaneira principalmente a hotelaria e o turismo, importantíssimas fontes de renda de todo e qualquer país que não preza por hipocrisias como a que há décadas permeia o debate em torno desse tema.