O enigma Parmigiani
Alceu A. Sperança
Quando a cidade de Cascavel completou 91 anos, em 28 de março do ano passado, foram relacionadas 91 pessoas que tiveram esquecida sua participação decisiva ou relevante na formação do polo regional cascavelense, hoje virtual cabeça de Região Metropolitana. Virtual porque saiu da lei para dormir em alguma nuvem.
Em março próximo, portanto, a cidade completará 92 anos. Não haverá comemorações porque a data oficial do aniversário do Município é 14 de novembro.
Uma 92ª personalidade esquecida a ser lembrada neste 92º aniversário poderia ser Ernesto Parmigiani, cuja família tem um ativo importante de contribuições ao desenvolvimento de Cascavel.
O irmão Eurides, por exemplo, esteve no centro de uma das mais acirradas e curiosas disputas urbanas: a luta para estender a Avenida Carlos Gomes até a Avenida Brasil, no único episódio (que poucos gostam de lembrar) no qual um só cidadão ganhou da Prefeitura, da Câmara e da Acic juntas.
Outra grande bronca urbana foi o alargamento da Avenida Brasil, que era estreitíssima no Patrimônio Velho (entre a Rua Sete de Setembro e a atual Rodoviária) e nela Eurides também esteve, sempre exercendo habilidades diplomáticas.
Aliás, a Prefeitura também contou com ele para o acerto amigável que permitiu a construção da Praça Wilson Joffre.
Apolo 11, símbolo de modernidade
Eurides e seu irmão mais velho, Ernesto, foram presidentes da Acic em épocas diferentes, mas fundamentais para fazer da entidade o que ela é hoje.
Deu-se que Ernesto, nascido em Erechim (RS) no mesmo ano que a cidade de Cascavel - 1930 - chegou ao Oeste paranaense em 1958 e acumulou capital na indústria madeireira.
Decidiu investir no centro de Cascavel com um símbolo da modernidade - um hotel vistoso na esquina da Avenida Brasil com a Rua Carlos Gomes com o nome da nave que levou o homem à Lua: Apolo 11. Vindo de um mandato de vereador exercido em Aratiba (SC), Ernesto se integrou de imediato aos movimentos comunitários cascavelenses.
Em 1968, seu amigo Arlindo Dal Pizzol, recém-eleito presidente da Acic, decidiu que a entidade deveria ter uma sede própria e adequada a seus propósitos.
Na época, a Acic era apenas um canto do escritório dos irmãos Milton e Geny Lago, na Avenida Brasil, perto da Praça Getúlio Vargas. Na posse de Dall Pizzol, o carismático Ernesto, com sua conversa de vendedor irresistível, fez um desafio ao novo presidente da Acic:
“Ele cederia uma sala, perto da Igreja Matriz, um ano gratuita, desde que eu partisse para uma sede própria”, lembrou Dal Pizzol.
- Eu aceitei o desafio e adquiri a sede própria, que ficou no Edifício Pioneiro, em frente à Igreja Matriz, e ali ficou por muitos anos. Eu fui adquirindo com muita dificuldade, a prestação. Quando a Acic tinha, pagava. Quando não tinha, eu mesmo pagava e acertava mais tarde. A Acic, em si, não tinha onde cair morta, coitada.
Os móveis para instalar a sede vieram do Banco Sotto Maior, que tinha na gerência um grande amigo de todos: Rubens Nascimento."Ele me arrumou uns móveis para montar uma sala decente para a Acic poder funcionar”, disse Dal Pizzol.
Quem vê a robusta Acic de hoje não imagina quanto esforço foi necessário, sobretudo dos pequenos comerciantes, sempre maioria nas organizações.
Os anos de chumbo
Tempos pesados e críticos, a carga não podia continuar toda sobre Dall Pizzol. A diretoria montada com dificuldade para sucedê-lo na Acic tinha Ernesto Pamigiani como vice-presidente e Eugênio Lange na cabeça.
A sala cedida por Ernesto e ocupada gratuitamente pela Acic ficava nos fundos do Hotel Apolo 11. Ali a entidade funcionou até ganhar musculatura, o que ainda parecia impossível em 1969.
Nessa época, o Brasil vivia o recrudescimento da ditadura. As lideranças políticas e empresariais estavam emudecidas pela violência do regime e já se anunciava uma grande crise do petróleo.
Havia tanto desentendimento entre os empresários que Eugênio Lange, ainda com pouco tempo de residência em Cascavel, não conseguiu harmonizar as alas internas em disputa e o vice-presidente Ernesto Parmigiani foi chamado a comandar a Acic.
Com ele, a entidade passou a tecer fortes relações políticas com a Prefeitura, a Câmara e demais entidades da sociedade. Nenhum assunto deixava de passar pelo crivo da Acic e pela argúcia de Ernesto, que se traquejara na arte da política nas andanças entre Santa Catarina e o Paraná.
Em 1972, quando as lideranças de Cascavel preparavam o que parecia uma fácil nova eleição do deputado Odilon Reinhardt para a Prefeitura, Ernesto fez parte do esquema ardiloso montado pelo MDB que empurrou Pedro Muffato à frente e o levou a uma consagradora vitória.
Muffato chamou Ernesto para a Secretaria Municipal de Obras e nunca mais a Acic deixou de dialogar em alto nível com a Câmara e a Prefeitura. A serviço da Prefeitura, Ernesto administrou áreas que apresentavam desafios e problemas gerenciais: a Pedreira, o Aeroporto e a dividida área esportiva.
Mais: teve participação decisiva nas obras da Catedral, presidiu a Associação Atlética Comercial, a Asservel e o Abrigo São Vicente de Paulo. Quando ele morreu, em 2015, o vereador Jaime Vasatta propôs e o prefeito Edgar Bueno transformou em lei uma justa homenagem póstuma a Ernesto - seu nome, com direito a placa, ornaria um bem público municipal. Era lei, mas jamais aconteceu.
Por que líderes importantes - e estruturantes - são esquecidos e assim permanecem, até com leis dormindo em alguma nuvem, é um mistério.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br