Ideias congeladas
Luiz Claudio Romanelli
O governo da Argentina adotou nesta semana uma conhecida receita portenha para tentar reduzir o impulso inflacionário no País: o congelamento de preços. Desta vez, são 1.250 produtos que não poderão sofrer reajuste até janeiro de 2022. No anúncio da medida, o Ministério da Economia informou que tudo foi combinado com o mercado.
Pois bem, esta ideia foi adotada pelos presidentes Juan Domingo Perón, Raúl Alfonsín, Néstor e Cristina Kirchner e Mauricio Macri. Na gestão do atual governante, Alberto Fernández, é a segunda tentativa de conter a alta dos preços com o congelamento. A primeira foi no ano passado e, como vimos pela decisão recente, não deu muito certo. A inflação na Argentina acumula aumento de 54,7% nos últimos 12 meses.
O Brasil experimentou a receita no século passado, nos governos Sarney e Collor de Mello, sem que tenha dado resultado. Em 1986 foi lançado o Plano Cruzado e um ano depois o Plano Bresser. A inflação seguiu seu curso e entre 1990 e 1991 mais dois planos retomaram a estratégia do congelamento. Ao contrário do imaginado, o saldo foi uma hiperinflação de quase 5.000%. A estabilização veio com o Plano Real, a partir de 1994.
A lição aprendida é de que somente reformas estruturantes podem dar novo rumo à economia. O preço dos produtos é um indicador que aponta que algo está em descompasso. Qualquer tentativa de colocá-lo como alvo principal e manipulá-lo para restabelecer alguma normalidade pode trazer consequências ainda mais graves para o quadro econômico.
Agora, com a inflação a galope no País, os sábios de Brasília resolveram adotar uma ideia do gênero congelamento para tentar conter a alta dos combustíveis. Sob o frouxo argumento de que o ICMS é o vilão da história, como prega o presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados aprovou uma mudança na forma de cálculo da alíquota do imposto que incide sobre derivados do petróleo.
O projeto indica que o ICMS não será cobrado como uma porcentagem sobre o valor final do produto e sim por um valor fixo por litro de combustível, que será estabelecido uma vez por ano com base na média dos preços praticados nos dois anos anteriores. Por coerência, a Petrobras também poderia adotar a mesma lógica na sua política de reajustes, com médias do valor do petróleo e da cotação do dólar. Ou não?
É sempre louvável qualquer medida que desonere o bolso dos brasileiros, mas esse paliativo que inventaram não resolve a situação e beira a demagogia. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, é o padrinho da medida e sustenta que a mudança na aplicação do imposto vai baratear o preço da gasolina em 8%; do etanol em 7%; e do diesel em 3,7%.
Na ponta do lápis, a alteração do ICMS significaria que um litro de gasolina que hipotéticamente custe R$ 6,00 poderia ser vendido a R$ 5,52. Alguém concorda que isso é barato? Do outro lado, a iniciativa condena os estados a perdas de arrecadação que somam R$ 24 bilhões e os municípios deixarão de receber R$ 6 bilhões.
Pesquisando sobre o preço internacional do petróleo, cheguei em outubro de 2018, quando o barril custava US$ 80,00. Praticamente o mesmo valor de hoje. Na época, o litro da gasolina no Brasil variava entre R$ 4,30 e R$ 4,50, e a composição do preço dos combustíveis era a mesma de agora.
Segundo a ANP, o valor da gasolina nos postos é formado pelo custo da refinaria (35,6%), mais a adição do etanol anidro (14,8%). Tem ainda os tributos federais - Cide, PIS/Pasep e Cofins - que chegam a 12,6% e o ICMS médio de 28,1%. Além disso, 9% do preço na bomba equivalem à margem de distribuição e revenda.
Se o barril do petróleo valia o mesmo e a formação dos preços não foi alterada, quais as razões da diferença no valor dos combustíveis em três anos? Uma delas é a elevação dos biocombustíveis, que servem de aditivo para a gasolina e o diesel. Outro dos fatores é a variação do dólar. No mesmo outubro de 2018, a moeda americana era cotada na faixa de R$ 3,70, enquanto hoje passa dos R$ 5,50. Uma evolução de quase 50%.
E por que o dólar foi nas alturas? Há questões externas importantes, como as disputas entre China e EUA e a possibilidade de aumento dos juros americanos. Mas avalio que o pior de tudo é que há um congelamento de ideias e de iniciativas na condução econômica do País.
O governo federal perdeu o controle da economia, produz muita instabilidade política e não evolui nas reformas estruturantes. O Brasil virou um país marginal que não atrai grandes investimentos em moeda estrangeira. Causamos medo e deixamos de ser confiáveis.
Não será com medidas atropeladas que vamos reduzir o preço da gasolina. A alteração no cálculo do ICMS sobre os combustíveis é mais uma cortina de fumaça para encobrir a incompetência da administração federal. Se for para mexer na questão dos impostos, que se avance com a reforma tributária que patina no Congresso Nacional.
Não aceito a ideia do governo federal querer socializar com os governos estaduais o custo político do aumento dos combustíveis. Não é cabível que uma proposta inócua tire do nosso Estado R$ 1,9 bilhão por ano em receitas de ICMS, justamente num momento em que é preciso ter recursos disponíveis para ampliar o investimento público e contribuir para acelerar a retomada da nossa economia. Sigo firme na defesa do Paraná. (Foto: Marcelo Casal/AGBR)
Luiz Claudio Romanelli é advogado especialista em gestão urbana, deputado estadual e vice-presidente do PSB do Paraná