Os piores erros do presidente
Alceu A. Sperança
Faz parte do ritual: o defensor pago ou apaixonado pelo presidente até nas piores trapalhadas jura que a escorregada de seu ídolo é culpa do piso no qual a oposição derramou graxa. Para os opositores mais intransigentes, o ritual é forçar que seja atirado com graxa e tudo na lata de lixo na história.
O que passará à história, porém, apesar de toda a graxa lançada ao piso por inimigos e também por amigos desastrados e inconvenientes, é um misto de conjuntura, branda ou adversa, com um inevitável lixo - em toda casa, pública ou privada, sempre haverá resíduos, muitos recicláveis mas também partes tóxicas irrecuperáveis.
A conjuntura pode ser uma situação internacional crítica, a incapacidade do ministério para coordenar atividades resolutivas e relações de família, amizade e compadrio que criam muito ruído ao abusar da proximidade do poder, praticando malfeitos que jogam ainda mais graxa no piso e abrem valas no lixão.
Em geral, os piores erros dos presidentes foram induzidos por essa trama de complexa situação mundial, dificuldade para fazer o ministério funcionar e problemas causados por gente muito próxima sem senso de limites nem noções sobre as diferenças enormes que existem entre políticas de Estado, de governo e de seita /partido.
Os maiores acertos do presidente sempre estão na fidelidade às políticas de Estado. O que mais o valoriza como político é a qualidade na condução das responsabilidades de governo, mas a capacidade de responder mais aos anseios da população que da bolha mais próxima garante a glória.
O que geralmente complica seu futuro e a biografia são as pressões sectárias, que o tornam alvo mais fácil para a graxa escorregadia das oposições ou o fogo amigo das locupletações.
Golpe contra o voto impresso
A ruína, ultimamente, é atribuída ao Centrão, sempre hostilizado e sempre vitorioso, mas há também um mundo a observar, agora com tendência geral de pleitos apertados, em ambientes muito polarizados. Esse equilíbrio favorece às seitas perdedoras alegar fraude quando perdem.
Houve um raríssimo caso, jamais repetido, de virada de mesa depois de uma derrota. Mesmo se impondo como ditador, Getúlio Vargas depois se redimiu aceitando a democracia, o que não evitou seu trágico destino: cometendo erros em penca, acabou se matando.
A louvada democracia estadunidense quase ruiu por conta de um golpe tramado para convulsionar o Capitólio depois da derrota de Donald Trump, na qual o vilão acusado foi... o voto impresso.
No passado, quando o povo eleitor eram os"cidadãos de bem"(os ricos) o Brasil teve muitos presidentes eleitos com votações fantásticas e poderes imensos.
No entanto, apesar de todo esse cabedal favorável, desperdiçaram o capital político e viram seus poderes se anularem pela prática de erros graves, corrupção, incompetência na montagem do ministério, incapacidade para resolver os problemas administrativos ou parentes e amigos desastrados.
Vexames que podiam ser evitados
Descontada a única exceção de ditador convertido à democracia, que merece estudo mais profundo, considerando a complexa conjuntura de II Guerra Mundial e começo da Guerra Fria enfrentada pela longa duração de Vargas no poder, há três casos bem significativos de presidentes que arruinaram seu grande capital político e não souberam usar os grandes poderes que receberam: um na República Velha, outro pré-1964 e um da Nova República.
O mineiro Arthur Bernardes venceu o polarizado pleito de 1922 derrotando Nilo Peçanha. Venceu fake news (cartas falsas que tentavam inimizá-lo com os militares), teve o vice (Urbano Santos) morto ainda antes da posse e debaixo de seu bigodes nasceu o movimento tenentista, que levou o Brasil a um ciclo de revoluções nos anos seguintes.
Bernardes caçou raivosamente a Coluna Prestes e levou do capitão um banho de estratégia militar, na maior vergonha que um presidente já passou, mas esse vexame foi pálido diante de seu pior e mais grave erro: bombardear São Paulo.
Poderia ter entrado positivamente na história por seu esforço pela siderurgia e por seu nacionalismo, mas impôs um estado de sítio quando poderia ter negociado vários itens da pauta de reivindicações dos tenentes rebeldes.
O que eles pediam, afinal? Descontando algumas bravatas, seria fácil para Bernardes aceitar a base popular da pauta apresentada: voto secreto, reformas no ensino público e combate à corrupção. Essa, a mais fácil: todos prometem até dar a vida para combatê-la...
Se não fizesse lambança...
Antes da ditadura erroneamente chamada de"militar”, pois eram civis, estrangeiros e seus empregados internos que manobravam por trás das cortinas, os vexames correram por conta de Jânio Quadros. Civil e portando uma vassoura, derrotou o candidato militar, marechal Henrique Lott, herói da legalidade constitucional.
O desgoverno Jânio foi uma sucessão de atos personalistas caricatos, culminando com uma renúncia que na verdade tinha a intenção de promover um autogolpe e se impor como ditador.
Se não renunciasse e mantivesse as linhas de um governo baseado em políticas de Estado passaria à história dignamente, já que deu rumos positivos à diplomacia brasileira, criou reservas indígenas e parques ecológicos, afora ensaiar uma reforma agrária que teria evitado muitos problemas.
Com a renúncia, além de deixar uma inflação em escalada, jogou o país em uma crise severa, mitigada pela introdução do parlamentarismo, que não teve força para se manter. O resultado foi a ditadura, fruto amargo da Guerra Fria.
Como é coisa mais recente e os recentes sempre têm fiéis com fé cega e faca amolada, do terceiro pior pode-se dizer que passaria à história pela herança democrática positiva herdada de Itamar Franco (o Plano Real, por suas virtudes) e por ter construído, finalmente, um país estável.
Mas aí Fernando Henrique Cardoso comprou a reeleição e deu no que deu: crises e mais crises, pioradas pela conjuntura mundial adversa. Como o espaço acabou, os piores do quarto em diante ficam a critério do leitor.
Alceu A. Sperança é escritor e jornalista - alceusperanca@ig.com.br