Não precisamos de salvadores da Pátria
Carlos Antonio Reis
Em tempos de polarização política é necessário pacificar o Brasil. Será ainda possível? Vejo com preocupação a escalada desta polarização e intolerância que sequer admite uma crítica por mais fundamentada que possa ser. Não se admite o meio termo: ou você é Bolsonaro ou é Lula.
O extremismo, seja ele de esquerda ou de direita, não admite o equilíbrio, a sensatez ou a tolerância, flerta portanto com o autoritarismo, não admitindo o livre pensamento, a liberdade de expressão e, claro, elege a imprensa livre como a maior inimiga, ferindo de morte o estado democrático de direito. Por isso que os extremos se valem do que o linguista norte-americano Noam Chomsky chama de “consenso fabricado"ou, popularmente falando, "uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade". A primeira providência é exatamente se apropriar, desqualificar ou controlar os meios de comunicação.
Exemplos abundam na história. Quem pode ignorar a máquina de propaganda nazista? Confesso grande preocupação com o extremismo que impera no Brasil de hoje e aonde isso pode nos levar. A seguir o atual estado de ânimo, o próximo presidente será Lula ou Bolsonaro. Mas como chegamos nesta situação? Será que não há tempo de buscarmos outro caminho? Será possível buscarmos o equilíbrio e pacificar a nação? A quem favorece essa atual conjuntura política?
Tentarei aqui, humildemente, responder a essas indagações e provocar uma necessária reflexão, não mais que isso, até porque não sou cientista político e nem pretenso intelectual. Se me atrevo a escrever sobre tema tão profundo e prolixo, o faço, antes de tudo, para exercitar a esperança e compartilhar dilemas e nunca convencer que este ou aquele extremo está equivocado, até mesmo porque o extremismo e o fanatismo não admitem questionamentos.
Voltemos lá em 2003, ano em que Lula assumiu a Presidência da República. Lembro que o clima não era tenso como hoje, no máximo havia um desconforto, uma preocupação do mercado em relação à política econômica de um governo mais à esquerda. Preocupação que logo deu lugar a euforia. Lula teve habilidade e logo tranquilizou o mercado. Logo Lula virou o queridinho da turma da Avenida Paulista, ícone do capitalismo Tupiniquim. No outro lado, grande parte da intelectualidade, pensadores, artistas do Brasil e do mundo passaram a proclamar o sucesso do operário presidente. E Lula passou a ser garoto propaganda da direita e da esquerda. A direita comemorava, enfim, a conciliação do capital e do trabalho, proclamando o capitalismo como o sistema ideal pois, afinal, possibilita a ascensão social. “Olha aí nosso presidente, um simples trabalhador".
A esquerda, por sua vez, passou a fazer apologia ao operário que à época administrava, salvo engano, a 13ª maior economia mundial, chegando sob o governo petista a ocupar 6ª posição no ranking mundial em 2011. Enfim, Lula virou celebridade internacional e sob os holofotes e afagos da esquerda e da direita, vaidosamente, desempenhou bem o papel de conciliar capital e trabalho. Mas como foi possível esse sucesso naqueles anos em que de fato o Brasil avançou e viveu anos de prosperidade? Vejamos: o primeiro ponto desse bem sucedido Governo Lula ocorreu muito mais pela conjuntura econômica mundial favorável, puxada no Brasil pelas commodites, do que pelo talento do Lula. Esse é o primeiro ponto que chamo atenção. Segundo: Lula não teve pudor em sentar à mesa com as velhas elites políticas e econômicas do País e assim construir a governabilidade, muito embora o preço tenha sido alto, aqui mais um ponto em comum com Bolsonaro. Aquelas mesmas elites ou velhas raposas da política brasileira hoje estão aí com o Governo Bolsonaro. A diferença é que Bolsonaro tentou resistir a essa “conversa”, demorou um pouco, enquanto Lula foi mais célere.
Mas voltemos ao período Lula: em 2008 veio a crise internacional puxada pela crise imobiliária norte-americana com efeitos devastadores para as economias ao redor do planeta. Aqui o tsunami foi classificado como marolinha, tamanha era a confiança do desavisado Lula que para tentar manter a economia aquecida em meio à crise que tomou proporções mundiais, adotou uma série de medidas, como redução de impostos para estimular o consumo, congelou preços do petróleo, subsidiou as tarifas de energia elétrica e ampliou as desonerações. “Embora tenha havido uma política monetária austera e correta, a política fiscal é uma das piores heranças que temos hoje, decorrente de uma forma equivocada de se interpretar a evolução cíclica da economia”, afirma Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Os efeitos dessa política paliativa ajudou na eleição e reeleição de Dilma, mas mais tarde teria um efeito devastador em seu segundo governo, que foi interrompido pelo impecheament.
A gestão de Dilma foi marcada pelos desencontros entre os poderes Executivo e Legislativo e uma conjuntura interna e externa desfavorável. Com a crise econômica aumentando, aliada a inépcia e falta de articulação política e com o avanço da operação lava jato, começou a derrocada da odisseia dos governos petistas, culminando com o impedimento da presidente Dilma e, na sequência, na prisão do Lula.
Chamo atenção para o fato de que, apesar desses eventos todos, o candidato do PT Fernando Haddad ainda teve musculatura e fôlego para levar a eleição para o segundo turno. Some-se a isso o turbulento governo tampão do presidente Michel Temer e sucessivos escândalos que criaram as condições para o surgimento e ascensão do bolsonarismo.
Bolsonaro ocupou, por assim dizer, o vácuo eleitoral e com uma estratégia de se apresentar como o novo e dar um jeito no Brasil no melhor estilo salvador da pátria e caçador de marajás, encontrou eco em parcela significativa do eleitorado desiludido com os governos anteriores. Arregimentando para seu “exército do bem" uma legião disposta a tudo para impedir a volta do PT ao comando da Nação.
E aqui estamos nós com um governo ao qual a maioria depositou sua confiança, embalado por um forte discurso conservador, em nome de Deus, da família, da moral e dos bons costumes. Pois bem, infelizmente este governo se perdeu em suas contradições e estamos à beira do caos. Mais de 580 mil brasileiros mortos pela pandemia, 15 milhões de desempregados, preços em disparada, combustível, energia e gás inviabilizando atividades econômicas, crise energética, crise institucional e política. E o pior: uma nação dividida. Neste momento, este é o legado deste governo. E como ele age? Procura a conciliação? Não! Tardiamente, escreve uma carta a Nação na tentativa de desarmar uma bomba que ele montou no dia 07 de setembro na esperança de ver algo acontecer que justificasse uma ruptura. O que de fato não aconteceu. Melhor, aconteceu, mas não aquilo esperado pelo presidente.
Na minha humilde avaliação, o presidente saiu mais fragilizado e enfraquecido do que quando entrou nesta jornada cívica golpista. Houve um recuo estratégico, movido muito mais pelo instinto de sobrevivência na tentativa de salvar o que resta de seu governo.
Há uma tendência de muitos políticos se autoproclamarem como responsáveis pelo bem estar do povo, e quando as coisas dão errado a culpa sempre é dos outros, do mercado, dos governadores, dos prefeitos, do Supremo e a oposição. Esta tem sido a narrativa deste governo. Lembremos e da lição de Thomás Sowel: "O fato de que muitos políticos de sucesso sejam mentirosos não é, exclusivamente, reflexo da classe política, mas de um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las". Pensemos nisso! Será que não estamos sendo passionais ao ponto de santificar Lula ou Bolsonaro e neles depositar nossas únicas esperanças e sermos, portanto, suscetíveis ao discurso do impossível, do eu resolvo? Proponho buscarmos um novo caminho. Ainda há tempo. Entendam que ambos, Lula e Bolsonaro querem se enfrentar nas urnas, esse é o jogo que querem jogar. A polarização personificada em Lula e Bolsonaro favorece ambos.
Urge buscarmos um novo caminho para o bem do Brasil, ou estamos fadados a continuar retroagindo. A tarefa é enorme e nada simples, sei disso, mas é imperativo buscarmos novas alternativas que fujam da personificação do herói salvador da Pátria, defensor dos fracos e oprimidos.
Deus salve o Brasil! (Fotos: Antonio Cruz e Valter Campanato/AGBR)
Carlos Antonio Reis é professor e prefeito de Anahy